quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Surpresa na Metrópole

Acredite se quiser: hoje eu vi um fusca circulando pelas ruas dos Jardins. Um fusca como aquele do filme ''Se meu fusca falasse'', modelo antigo, três faixas pintadas sobre o capô. O simpático carrinho do filme tinha até nome, ''Herbie''. Nós ficamos nos perguntando sobre o motivo deste carro estar circulando aqui, naquela hora. Seria alguma gravação de comercial? Seria algum fanático por Fuscas, que mandou pintar seu carro igual àquele do filme célebre? Simpática esta mania de personalizar os carros. Quem sabe isto pode contribuir para humanizar um pouco estas abomináveis, poluentes e ruidosas criaturas que, por aqui, parecem ocupar todos os espaços- inclusive o das faixas de pedestres...

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Notas sobre o nada

Uma série de TV norte-americana, Seinfeld, se definia como uma série ''sobre o nada''. -Qual o tema de vocês? - Olha, nós falamos sobre coisa alguma. Trata-se de uma boa tirada. Já tivemos chance de discutir aqui sobre o ''valor'' da literatura/escrita. Na verdade, em meio a um mundo de coisas ''reais'', ''concretas'', ''relevantes'', ''importantes'', escritores preferem- sempre preferiram- escrever sobre coisa alguma. Ao menos coisa alguma que parecesse estar dotada de algum dos adjetivos antes elencados. Em meio a um mundo de pessoas ''práticas'', ''ocupadas'', os escritores sempre pareceram estar fazendo nada. Claro que há uma tolerância quanto a este nada, porque a muitos a escrita parece ''misteriosa'', ''inteligente''. Na verdade, não há mérito algum em escrever. Nós simplesmente botamos para fora tudo o que ingerimos até hoje. E é algo tão físico, tão irresistível, tão compulsivo quanto vomitar ou excretar algo( muitos escritos até se assemelham ainda mais a estas atividades, a ponto de se tornar quase impossível distingüir uma atividade da outra ). O que você ingere, você expele. Se você ''devora'' o New York Times ou o ''Estadão'' de domingo, dentro de alguns anos sentirá uma leve tentação de fazer algo do gênero. Mas não se sente culpado de ''plágio'' ou algo semelhante, porque, a esta altura, as informações já estarão tão consolidadas em seu cérebro que, a seu modo de ver, o seu estilo parecerá ''original''. Esta é a versão otimista da coisa. A pessimista parte de uma pergunta: como botar para fora algo que se assemelhe a um texto escrito se você não lê? Sabemos que os jornais tem circulações cada vez menores, bem como a tiragem da maior parte dos livros. E estes são os principais ''combustíveis'', as principais fontes dos futuros jornalistas/escritores/blogueiros. Você bota gasolina, o seu carro anda. Você devora palavras, as palavras ficam remoendo dentro de você- à espera de serem expelidas de múltiplas formas, em um reconhecimento implícito de que você admira as figuras que as escreveram, e pretende espelhar-se nelas. Porém, o imediatismo do mundo moderno se opõe à idéia de trabalhar longamente uma idéia, um tema. Todos querem escrever, manifestar-se, e isto não deixa de ser bom. O ruim é a falta de credibilidade de algumas das fontes novas de informação. Ainda prefiro os ''jornalões'', na falta de coisa melhor.A minha visão particular é a de que eu já tive tempo de descobrir que não ''sirvo'' para coisa alguma, eu não sou bom em coisa alguma ( ao contrário do tempo em que achava que era, potencialmente, um ''talento'' a ser descoberto- ''está lento''; do tempo em que achava que eu dominava tudo sobre relacionamentos- e os ''outros'' é que não sabiam viver; do tempo em que eu achava que os ''outros'' é que não sabiam educar os seus filhos, e eu seria, futuramente, o melhor pai do mundo ). O tempo passou, as nossas pretensões também, os fracassos e desilusões se avolumaram, e, ''súbito'', percebo que, na verdade, a ÚNICA coisa que eu sei fazer, e ainda assim mais ou menos, é colocar algumas palavras em seqüência em uma folha de papel ( êpa! até nisto estou defasado: em uma página de computador...). Vencendo ou tentando vencer a minha eterna tendência a ''pregar'' idéias, para fazer desta página pessoal um espaço para expor- aos outros, se existirem, e a mim mesmo- uma parte oculta muito especial, uma forma própria de enxergar o mundo e a ''realidade'' que só eu posso fazer. Em suma, NADA. O que eu faço é nada, e estas são as minhas notas sobre o nada...

Intuições?

Esta coluna não pretende se juntar ao espírito cético dominante na atualidade, em especial nos meios considerados mais ''inteligentes''. Mesmo porque consideramos que os denominados mundos ''material'' e ''espiritual'' estão mais misturados do que imagina a nossa vã consciência. Este episódio que vou narrar ocorreu no dia da minha última viagem a Curitiba, em janeiro, já descrita em outros textos do Blog: no dia da viagem, de ônibus, às 9 da manhã, eu estava sonhando. E, neste sonho, eu estava PERDENDO UMA VIAGEM, POR ATRASO. Este sonho me assustou, eu acordei, e vi que estava atrasado para a minha viagem, a REAL...Já passava das 7 da manhã, e era preciso correr para estar na Rodoviária ás 9. O interessante foi que justamente o atraso que eu tive foi que me possibilitou estar em casa ainda às 8 da manhã, quando soube, pelo noticiário local, que o metrô- meu meio de transporte escolhido- tinha sofrido uma pane. Eu raciocinei que as panes do metrô tem efeitos prolongados, não se limitando a um determinado trecho. A coisa funciona meio como uma ''bola de neve'': um atraso aqui vai afetando toda a linha. Resultado: mudei os planos( graças ao atraso, que só não foi maior por causa de um ''sonho'' me alertando que eu poderia perder a viagem...!)e decidi ir de táxi, chegando na Rodoviária em cerca de 15 minutos. O mais interessante nisto tudo é que a vida inteira da gente é repleta de tais ''coincidências'', que consideramos como tais na ingenuidade de querermos achar que estamos ''sós'' e ''desamparados'' neste planeta tão ''inóspito'' e ''cruel''...Por que algumas pessoas deixam de embarcar em vôos que sofrem acidentes fatais? Será mera ''coincidência''? Respondam os arautos da ciência oficial...

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Leituras

Não é o propósito deste Blog fazer citações muito extensas, mesmo porque é muito trabalhoso ficar segurando livros no colo enquanto digito. E também porque o propósito do Blog é ser um canal de expressão da minha escrita, e não da dos outros. Mas há leituras que fazemos que são especiais, significativas a ponto de, como neste caso, abrirmos mão da nossa própria voz para dar lugar á voz de outrem, porque esta é muito relevante. As citações abaixo, que falam por si só, são do livro ''À maneira de Sócrates'', de Ronald Gross: - Do discurso final de Sócrates: ''Eu sou a mosca enviada pelos deuses para picar vocês, atenienses. Nosso Estado, meus amigos, é como um imenso corcel- forte e impressionante, mas preguiçoso e obtuso. Sem a constante provocação das moscas, haveria de tornar-se ainda mais inconsciente e inapto. Ao longo dos últimos trinta anos, não tenho poupado ninguém nem coisa alguma, inclusive a mim próprio. Dediquei toda a minha vida a prestar este serviço a minha cidade. Deixei de lado as coisas que a maioria dos homens considera importantes, como a riqueza, o poder militar, os cargos políticos. Enquanto viver, nunca deixarei de mostrar como são realmente as coisas em Atenas. Meu princípio tem sido invariavelmente o de que revelar a verdade não pode ser prejudicial. Acredito que falar a verdade só pode prejudicar o que é falso entre os trabalhadores, os empresários, os sofistas, os estadistas e os deuses. O ar que se respira em uma democracia só é saudável quando toda proposta e todo projeto está constantemente sendo submetido á investigação, mesmo nas próprias bases de nossa maneira de viver". A necessidade que todo grupo, toda sociedade tem de ter as suas ''moscas'' foi bem exemplificada pela escritora Marian Wright Edelman, em seu livro ''A medida de nosso sucesso'': - ''Não fique imaginando que você precisa fazer muito barulho para contribuir de alguma maneira. Meu modelo pessoal, Sojourney Truth( verdade, em inglês), uma mulher escrava, não sabia ler nem escrever, mas tampouco era capaz de tolerar a escravidão e o tratamento das mulheres como cidadãs de segunda classe. Certa vez, quando fazia um discurso contra a escravidão, ela foi interpelada por um velho. ''Minha senhora. Está pensando que a sua conversa sobre escravidão serve para alguma coisa? Seu discurso é tão importante para mim quanto a mordida de uma pulga''. ''Pode ser, devolveu Sojourney Truth, mas se Deus quiser vou fazer com que o senhor não pare de se coçar''. A citação seguinte é do filósofo Alain de Botton, que conta como teve sua revelação em um dia muito frio de inverno, quando percorria uma galeria deserta do Museu Metropolitano de Arte, de Nova York. Estava em frente do quadro ''A morte de Sócrates'', de Jacques-Louis David: ''Se a pintura me causou tão forte efeito, foi talvez porque o comportamento de que dava conta contrastava tanto com o meu. Em qualquer conversa, minha prioridade era sempre ser apreciado, e não dizer a verdade. O desejo de agradar me fazia rir de piadas nem tão engraçadas, como um pai de aluno na noite de estréia de uma peça da escola. Com estranhos, eu assumia a atitude servil de um porteiro diante de clientes ricos de um hotel- um entusiasmo daqueles de fazer salivar, provocado por um desejo mórbido e indiscriminado de afeto. Eu não duvidava em público de idéias abraçadas pela maioria(...)Mas Sócrates não se dobrara diante da impopularidade(...)Ele não renegara suas idéias porque os outros estavam insatisfeitos(...)Semelhante independência de espírito foi para mim uma revelação e um estímulo. Era algo que podia servir de contrapeso à tendência indolente para seguir práticas e idéias socialmente aceitas''.Em seguida, o autor do livro sobre Sócrates que estamos mencionando cita um chamado ''Projeto Girafa'', cujo lema é ''Estique o pescoço para fora''. E dá dois bons exemplos de pessoas que seguiram este conselho, custasse o que custasse: ''O veterano inspetor William Lehman, da USDA, que já chegou a impedir a entrada de 80% da carne canadense que chega a seu posto de inspeção alfandegária na fronteira, por cheirar mal e conter fragmentos de ossos, fragmentos metálicos, coágulos sangüíneos, pus e abscessos. Pressionado pela USDA a deixar passar mais carregamentos canadenses, ele fez pé firme em nome da verdade. Mesmo ameaçado fisicamente, caluniado por funcionários canadenses e punido em seu departamento, ele não só persistiu como ''dobrou a aposta'', pressionando por uma auditoria por parte da GAO e falando aos meios de comunicação''. Buscar a verdade, custe o que custar. Investigar a fundo sobre esta verdade, questionar-se, questionar verdades estabelecidas. O método socrático ainda hoje cala fundo em todas as pessoas que procuram pensar e agir com qualidade. O livro de Ronald Gross é excelente, e pode ser lido de uma só vez- bem como devorado aos poucos, como se faz com as melhores iguarias...

Obama, uma ressalva

O que mais nos incomoda na chamada ''Onda Obama'' é que as pessoas não conhecem as suas propostas. Simpatizam com ele PELO QUE ELE É- descendente de negros. E já manifestei meu desconforto por esta espécie de racismo às avessas ( imaginem se alguém manifestasse apoio a outro candidato por ele ser branco???!). Agora, a candidatura Obama tem atraído muita gente que normalmente permanece afastada do sistema eleitoral, e este é um fato positivo. Tem sido apoiada por ativistas e jovens progressistas, e este também é um fato muito bom. E agora, descubro que- de todas as propostas em relação ao meio ambiente- a de Obama é uma das mais radicais: ele propõe um corte de 80% nas emissões de carbono, até 2050. Isto é muito bom para o planeta, sem contar a possibilidade de, enfim, os norte-americanos se engajarem nesta luta planetária pela sobrevivência. Um livro recente que li sobre o Aquecimento Global, diz que, apenas para conservarmos o equilíbrio do planeta nos níveis atuais, teremos de cortar as emissões de carbono em 70% até 2050 e que, na melhor das hipóteses, isto possibilitaria que, por volta de 2150, o sistema voltasse ao seu estado normal. O que nos dá uma dimensão da IMPORTÂNCIA deste assunto, uma vez que é a VIDA das futuras gerações que está em jogo. Agora, paradoxalmente, é o aquecimento que bagunça todas as estações, fazendo com que o nosso verão paulistano tenha cara de inverno( para o meu deleite, diga-se de passagem...).

Almoço na Tailândia durante o Carnaval

Esta também é uma mensagem comemorativa, por se tratar do texto número 50. Estamos rompendo uma barreira psicológica. Escrever já se tornou uma necessidade, não importando que seja- aparentemente- para as paredes...O tempo passa rápido, uma nova Mônica está nas páginas da Playboy- Mônica Carvalho- e nós ainda não fechamos as crônicas de Carnaval. Na última terça-feira, último dia de Carnaval na maior parte do Brasil, exceto na Bahia, tínhamos dois restaurantes em mira. Mas, por um destes eventos do acaso, e logo na cidade que não para, os dois estavam fechados. Motivo suficiente para experimentarmos uma opção que estava há um bom tempo na manga do casaco: um restaurante tailandês...O restaurante tem dois andares, e é semelhante a um templo budista. No térreo um bar, e uma fonte jorrando água com um som semelhante ao da chuva ( BEM forte! ). Fomos recebidos por um sujeito vestido à moda tailandesa, com sotaque estrangeiro. Ele até cumprimenta à moda oriental, baixando a cabeça.Subindo as escadas, chegamos ao salão principal. Junto á comida- a la carte ou bufê- um pequeno lago. Dentro dos banheiros, água jorrando nas paredes, portas de madeira, luz baixa. A sensação é que estamos em outro país. A clientela, quando chegamos, era constituída apenas por orientais, não se sabe se estrangeiros ou nisseis. Depois chegaram mais ocidentais...Já em relação á comida, eles tem uma salada convencional, junto com pequenos bolos e pastéis. No prato principal, versões de todas as carnes- de porco, de vaca, etc.- e peixe. Coloquei um pouco de cada coisa, e o resultado é muito bom.Na sobremesa também se mistura um pouco de cada coisa. Lá dentro o ambiente é tão diferente e exótico que temos impressão de estar chovendo fora, pelo som da fonte do térreo, e de que o dia já morreu. Isto me lembra de que aqui em São Paulo- no Bistrô Charlô- já estão realizando almoços no estilo de um restaurante estrangeiro, em que as pessoas são VENDADAS para que se concentrem apenas nas sensações, e não na parte visual. Também é cada vez mais ver pessoas que se concentram exclusivamente nas entradas- bem diversificadas em diversos locais- e acabam não pedindo o prato principal, indo diretamente para a sobremesa. Preocupação com a silhueta? Gosto pelo exótico? Ou porque as entradas, em si, podem substituir perfeitamente a refeição principal? O fato é que a culinária mundial já não é a mesma, e São Paulo segue de perto todas estas tendências...

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

A ''Onda Obama''

Cada vez mais desconfiamos destes modismos em relação a candidatos a alguma coisa. Houve uma época em que vislumbrava grandes transformações na figura de um índio governando um país ( o primeiro foi o peruano Alejandro Toledo, um fiasco, seguido por este fantoche de Hugo Chávez chamado Evo Morales ), ou de um ''operário'' ( sem comentários! ), ou mesmo de uma mulher ( já temos uma na Alemanha, outra no Chile, e agora uma na Argentina, sem contar no pioneirismo de uma Margaret Thatcher na Inglaterra ). Tudo a nos alertar para a ingenuidade de se pretender fazer mudanças pela escolha de líderes por sua categoria, e não por uma ideologia. As últimas notícias indicam que Barack Obama tem grandes chances de ser escolhido candidato do Partido Democrata nas prévias americanas de amanhã. Sem medo de ser chamado de ignorante, a única coisa que quase todos nós sabemos de Obama é que ele é filho de um negro africano com uma mulher branca. Isto é muito pouco para quaisquer comparações com Martin Luther King ou John Kennedy, como vem fazendo os mais afoitos...Obama, este misterioso ser, é carismático, tem apoio de diversas personalidades da mídia, mas, fisicamente, é um ''janota'', um ''almofadinha''. Há muito mais conexões entre o senador Obama e os brancos de Washington, seus companheiros do Senado Americano, do que com os negros do Harlem...Mas talvez seja justamente esta sua indefinição que mais o favoreça em uma campanha eleitoral: como atacar um negro não-radical que mais parece um branco? Os adversários, caso Obama triunfe no lado democrata- fato que ainda não é certo, vão ter de esmiuçar bastante o seu passado em busca de algum fato que o comprometa. Aliás, a vantagem de Obama, do midiático Obama, parece residir exatamente na ausência de um passado relevante...Agora, caso Barack Obama seja escolhido o candidato democrata, residirá nele a esperança do mundo em por fim aos nefastos anos de governo de George Bush- II, os mais longos 8 anos de toda a estória da Presidência Americana...

Cena Paulistana

Este ''Carnaval'' paulistano é realmente um dos melhores do país, justamente pela possibilidade que temos de ignorar totalmente toda e qualquer notícia carnavalesca- inclusive aquelas que, propositadamente, deletamos de nossas vistas ao folhear os jornais e assistir a programas de TV. Hoje, segunda-feira de ''carnaval'', fomos almoçar em um lugar tipicamente paulistano, a rua Avanhandava. O lugar estava vazio, como raramente costuma ficar. Mesmo o Famiglia Mancini, que é sucesso total de público. No outro lado, ainda estava mais vazio. Sequer a banda de músicos compareceu ( só o pianista foi trabalhar, solo...). 3 ou 4 mesas ocupadas, não dava para deixar de reparar na dupla de velhinhos que estava sentada na nossa frente ( ficamos de lado para a rua, também acompanhando todo o movimento deste dia nublado de ''verão'' ). Os dois conversavam animadamente, quase alheios ao ambiente. Trocavam idéias, falavam de reportagens de jornal, pareciam mais dois professores- como disse um deles- com ''setenta e poucos anos''...Bem diferente destes jovens de hoje em dia, com todo o seu estrelismo e falta de conversa consistente. Os dois são de uma saudosa época em que se trocava idéias ''olhos nos olhos'', com prazer pela conversa. Eles já estavam quando chegamos, e saíram pouco antes da nossa saída. Mas é realmente uma maravilha conversar com os ouvidos ''ligados'' para outro diálogo tão ou mais interessante que o nosso. Em São Paulo as idéias fluem, estão no ar, criadores das mais diversas áreas interagem e se apóiam mutuamente. O espaço ideal para isto ainda é, majoritariamente, o da Academia e dos cafés e livrarias mas, como se viu, mesmo em um restaurante o que não falta é vontade de CONVERSAR de verdade. E de escutar, pois este é o verdadeiro complemento de toda boa conversação. Esquecemos como se escuta, eis a grande mudança dos últimos anos. Todos querem falar, mas poucos se dispõem a ouvir. Todos querem escrever, publicar alguma coisa, mas quantos leitores este país tem de verdade???!

domingo, 3 de fevereiro de 2008

Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

É surpreendente a idéia de alguém escrever sobre a Mostra de Cinema de São Paulo 2 meses após o seu encerramento. De fato. Mas hoje de manhã, ao pegar a primeira camiseta para ir fazer a minha caminhada de domingo, peguei a camiseta que comprei na Mostra- com a sua propaganda. E lembrei, de imediato, que não escrevi sequer um artigo sobre a mesma enquanto ela estava ocorrendo. Talvez porque, na hora, não nos damos conta de todo o seu frenesi. Mas, começando, vários dos filmes que assisti, naquela ilusão de estar vendo tudo ''primeiro'', acabaram passando logo depois no circuito comercial. Mesmo assim não me arrependo, e os veria nos mesmos cinemas super-lotados novamente. A lembrança de, pela primeira vez, ver o Cine Bombril do Conjunto Nacional com uma fila quilométrica, para assistir um filme desconhecido argentino...O Conjunto Nacional era a base principal da Mostra, onde compramos o nosso crachá com direito a ver QUALQUER filme entre meio-dia e 6 da tarde. Com direito a foto e tudo. O medo de ver furtado o mesmo crachá, que nos levava a escondê-lo por dentro da camiseta...A corrida entre os cinemas que me levou, em um dia, a ir assistir um filme na Cinemateca da Vila Mariana, indo de metrô, e depois sair antes do final do mesmo filme para pegar o metrô novamente e correr para assistir outro, na região da Paulista...A surpresa por ver, sempre nestas ocasiões- tanto aqui quanto em Brasília, na Academia de Tênis- um público diferente, com o ar metido e posudo de pseudo-intelectuais, que não se vê no cotidiano da metrópole (onde ficam estas pessoas todas entre um Festival e outro? Onde será que elas HIBERNAM??!!!). A surpresa por ver filmes que se esperava terem casa cheia vazios, e outros super-alternativos e anti-comerciais lotados...O último filme, inédito, da Jodie Foster, em que ela faz uma Vigilante, uma Justiceira que, após o assassinato do noivo, sai distribuindo tiros em bandidos em uma Nova Iorque mais parecida com aquela dos anos 70...A alegria de, quase sempre, encontrar ingressos para os filmes que queria, e o trabalho que tive para fazer um organograma com títulos e horários. A decepção que tive tantas vezes por não poder assistir dois filmes bons que estavam passando no mesmo horário...A combinação do Festival com o ritmo frenético da recém-inaugurada Livraria Cultura- a maior do país- no Conjunto Nacional( que, aliás, precisa urgente de um bom café, pois o da Livraria está sempre super-lotado...). Estas são algumas das caóticas lembranças da minha primeira Mostra Internacional de São Paulo, descritas tão tardiamente. A primeira Mostra a gente nunca esquece(acho que já utilizei o mesmo chavão quando me referi ao Atletiba...).

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Futebolísticas...

Vejam só o contraste: enquanto a Lei Eleitoral veda candidatura avulsas, fortalecendo o papel dos partidos, a Lei Pelé permite que empresários sejam ''donos'' dos passes de jogadores, o que enfraquece os clubes. O resultado é que vários clubes que fizeram associação com empresários não foram sucedidos, e os exemplos são muitos: um dos últimos a fazê-lo, o Paraná Clube, depois de fazer dois bons Campeonatos Brasileiros e participar da Libertadores no ano passado, acabou na segundona. A união Palmeiras e Parmalat rendeu títulos, mas o clube nunca mais se recuperou- está há 12 anos sem conquistar o Paulistão- e agora, mais uma vez, acaba servindo de vitrine para os atletas da ''Traffic''. Não é preciso se aprofundar sobre o que a união com a MSI( ?!!!) representou para o agora rebaixado Corínthians. Mesmo equipes fortes como o São Paulo Futebol Clube, que não aceitou participar destes esquemas, acabam servindo como ''pousada para atletas que não vão bem na Europa''. Ou como vitrine para ''grandes'' negócios: o cara mal esquenta o banco aqui, e já é vendido. É alucinante o ritmo de entradas e saídas de jogadores do São Paulo nos últimos tempos. Mas só tem dado certo porque seus dirigentes já se acostumaram á idéia de tomar partido desta instabilidade toda...O clube não exibe um futebol de ''encher os olhos'', muito pelo contrário, mas vence pela regularidade de seu futebol. Este ano as apostas do São Paulo são altas: trouxe Adriano e Carlos Alberto, dois jogadores em declínio. Mas manteve sua base, até agora.Porém Leandro já foi embora, e os clubes investem sobre o ''curinga'' Souza. Os times grandes do Rio, exceto o Vasco, tem mostrado um futebol mais solto, e produtivo: o Flamengo impressiona pela desenvoltura de seus alas Juán e Léo Moura, o Botafogo encaixou bem os seus reforços estrangeiros, e mesmo o Fluminense, após altos e baixos, acaba de golear o Volta Redonda por 5 X 1, com gols do ''ataque dos sonhos'': Washington, Leandro Amaral e Dodô. Não fizeram mais do que a obrigação, pois os times pequenos cariocas não tem a menor estrutura. O Paulistão é muito mais disputado, e vem sendo liderado pela Ponte Preta,equipe do interior. O clássico de domingo- São Paulo X Corínthians- que assisti ao vivo no Morumbi só merece uma linha: um PÉSSIMO JOGO, de baixa categoria, ainda atrapalhado pelo juiz, que anulou as poucas jogadas inspiradas do São Paulo, não marcando o claro pênalti sobre Dagoberto e o belo gol de cabeça de Adriano. De bom o público, de mais de 40 mil pessoas, mesmo com o jogo sendo televisionado para São Paulo. Certamente o bom público foi devido ao novo ânimo da torcida corintiana, de time e comandantes novos. A Gaviões da Fiel impressionou pelo ''gogó'', mantendo um belo duelo verbal com a Torcida Independente do São Paulo. Enfim, muito mais ânimo nas arquibancadas que no gramado...

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

O que você faria com um mundo só seu?

Muitos, neste mundo, já responderam a pergunta. Uns mandaram construir pirâmides para quando morrerem. Deste modo, condenaram milhares de construtores à morte durante a construção difícil para satisfazer o seu desejo. Outros pensaram em conquistar este mundo pelas armas, para perecer pelas mesmas. Alguns pensaram em conceitos como ''limpeza racial'' para ter um mundo só com semelhantes. Outros, em ''limpeza de classe'', para eliminar os elementos ''impuros'' da burguesia, e hoje são ainda mais capitalistas que os mais capitalistas dos países. Mas, abstraindo as loucuras deste mundo, o que você faria com um mundo só seu? Como seria este mundo? No mínimo você seria o CENTRO dele, certo? Algumas estátuas, seu nome presente em todos os lugares e bordado em ouro nos tapetes, cerimônias diárias de louvor ao seu nome, missas e homenagens diversas...Estou errado? Aliás, o que você poderia eliminar de ''errado'' neste mundo? A eterna tentação de eliminar ''impurezas'': o racismo, os crimes, as traições, a celulite, a torcida do Corínthians, os dias chuvosos, os dias de sol, o desemprego, a velhice. Que mais você gostaria de eliminar em um mundo ''perfeito'', só seu? É por tudo isto que nós somos o que somos, somos apenas PARTE do todo. Não somos este todo. Porque só alguém com muita grandeza se contentaria em criar um mundo, um universo em que ele estaria presente o tempo inteiro, mas poderia ouvir tolices do tipo ''Deus não existe''. Só alguém muito grande poderia enxergar coisas ruins sem querer corrigí-las de imediato, pois as veria como parte de um grande processo de evolução. Só alguém muito grande resistiria á tentação- comum entre os humanos- de destruir tudo isto, o ''errado'', para começar novamente em nome de alguma ''melhoria''. Só alguém muito grande teria feito o mundo com contrastes, justamente para que os seus habitantes tivessem oportunidade de escolher o melhor- embora isto não seja muito comum...Só alguém muito grande se contentaria em ser o cenário deste mundo, ao invés de ser o seu centro. ''Deus não dá asas a cobras''. Mas também não as mata...

O que você faria se pudesse ter um mundo só seu:

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Como falar dos livros que não lemos? Homenagem aos amigos Bibliotecários.

Em uma época em que o número de leitores despenca a olhos vistos, um título como estes só provoca desconfiança em uma livraria. Se o autor fosse um norte americano, certamente seria sinônimo de picaretagem...Mas, para nossa surpresa, trata-se de um francês. E mais, um francês professor de literatura francesa na Universidade de Paris e psicanalista! Vencidos os pré-conceitos, não segui o conselho do título e acabei adquirindo a obra. E a li por inteiro. Eis um livro que discute a noção do que é ''leitura'': o que é leitura, ler uma obra por inteiro e não recordar nada, ou ler trechos escolhidos a esmo com um propósito bem definido? Segundo o escritor francês, mesmo que nunca tenhamos lido um autor- como, por exemplo, o célebre James Joyce- ainda assim podemos ter uma idéia de sua obra pelo que ela representa em um contexto, e no conjunto da literatura. ''Lemos'' Joyce nas menções feitas por outros autores, e nos inúmeros artigos já escritos sobre sua revolucionária obra. Para exemplificar, Pierre Bayard lembra que Paul Valéry escreveu um panegírico sobre Proust por ocasião de sua morte, sem nunca tê-lo lido...A leitura não tem início, meio ou fim. É como um almoço que digerimos, que só convencionalmente pode ser dividido em ''entrada'', principal e ''sobremesa''. Dentro de nós não há divisões semelhantes, e tudo vira um só bolo a ser digerido e, virtualmente, expelido. Não conheço ninguém que seja capaz de recitar as palavras todas de um livro. E, mesmo que possível tal proeza, ainda seria necessário entendê-lo, explicá-lo, comentá-lo. Livros são meras aglomerações de palavras, juntas por convenção. São, como tantas outras, meios de comunicação, de transmissão de mensagens. É impossível delimitar dentro de mim mesmo o que eu li em cada livro por onde passei os olhos, e o que ficou de permanente. Além da compreensão formal, o mais importante é o prazer que estas obras todas nos proporcionaram. Prazer gratuito, imensurável, inesquecível. Mas deixemos de intermediar as idéias, para ver um pouco do que o próprio francês diz em sua obra. Ele começa com a visita de um homem a uma Biblioteca, no livro ''O Homem sem Qualidades'', de Robert Musil: ''Percorremos as fileiras daquele depósito colossal e posso dizer-lhe que não me abalei tanto assim: aquelas fileiras de livros não são mais impressionantes que um desfile de guarnição. Mas depois de algum tempo comecei a calcular mentalmente e cheguei a um resultado bastante inesperado. Tinha imaginado antes de entrar, veja você, que se eu começasse a ler um livro por dia, o que seria evidentemente bastante esgotante, terminaria conseguindo num dia ou num outro, e poderia então pleitear uma certa situação na vida intelectual, mesmo que me faltasse algo de tempos em tempos. Mas o que você acha que me respondeu o bibliotecário, quando vi que nosso passeio se eternizava e eu lhe perguntei quantos volumes continha exatamente aquela absurda biblioteca? Três milhões e meio, ele me respondeu! No momento em que ele me disse isso, nós estávamos mais ou menos no número 700 mil: mas a partir dali, fiquei calculando sem parar. Vou poupar-lhe os detalhes; de volta ao Ministério, refiz mais uma vez o cálculo com lápis e papel: da maneira como eu tinha imaginado, levaria mais ou menos 10 MIL ANOS- nosso grifo- para chegar ao final do meu projeto''. Continuando, o personagem do General dá voz ao bibliotecário do lugar: ''Como eu o segurava o tempo todo pelo paletó, eis que ele se aprumou como se de repente tivesse se tornado grande demais para suas calças frouxas e me disse com uma voz que demorava bastante em cada palavra, como se agora fosse me revelar o segredo daquelas paredes: ''Meu General! O senhor quer saber como eu posso conhecer cada um destes livros? Pois eu lhe digo agora: é porque não leio nenhum!''. ''Agora também já era demais!'', pensou o General. ''Diante do meu assombro, ele evidentemente quis se explicar. O segredo de todo bom bibliotecário é, e de toda a literatura que lhe é confiada, jamais ler senão os títulos e os índices. ''Aquele que botar o nariz no conteúdo estará perdido para a biblioteca!'', me informou. ''Pois jamais terá uma visão do conjunto!''. Sem fôlego eu lhe perguntei: - ''Quer dizer que o senhor jamais lê um destes livros?'' - ''Jamais, com exceção dos catálogos''. -''Mas o senhor é de fato Doutor, não?''- ''Claro. Professor universitário, de biblioteconomia. A biblioteconomia é uma ciência em si- ele me explicou.- Quantos sistemas o senhor acha que existem, meu General, para classificar e conservar os livros, corrigir os erros de impressão, as indicações errôneas de páginas, de título, etc.?". Em um outro trecho de sua obra, Pierre Bayard afirma que ''ser culto é ser capaz de se situar rapidamente dentro de um livro, e esta ação de se situar não implica lê-lo integralmente, muito pelo contrário. Seria até mesmo possível dizer que quanto maior for esta capacidade, menos será necessário ler um livro em particular''. Sobre o esquecimento, o francês diz que ''A leitura não é somente conhecimento de um texto ou aquisição de um saber. Ela está também, e a partir do momento em que se inicia, engajada em um irreprimível processo de esquecimento. No momento em que estou lendo, eu já começo a esquecer o que li, e este processo é inelutável, prolongando-se até o momento em que tudo se passa como se eu não tivesse lido o livro e em que eu passo a ser o não-leitor que poderia ter permanecido caso tivesse sido mais prevenido. Então, dizer que se leu um livro funciona sobretudo como uma metonímia. Nunca lemos de um livro senão uma parte mais ou menos grande, e mesmo essa parte está condenada, em um prazo mais ou menos longo, ao desaparecimento. Assim, mais do que com livros, nós nos entretemos, a nós mesmos e com os outros, com lembranças aproximativas, remanejadas em função das circunstâncias do tempo presente''. Finalizando este belo le polêmico livro sobre livros e sobre leitura, dois assuntos que nos interessam sobretudo, o autor ressalta que ''Poderíamos chamar de biblioteca interior esse conjunto de livros- subconjunto da biblioteca coletiva que habita em todos nós- sobre o qual toda personalidade se constrói, conjunto que organiza em seguida sua relação com os textos e os outros. Uma biblioteca onde certamente figuram determinados títulos precisos, mas que é sobretudo constituída, como a de Montaigne, de fragmentos de livros esquecidos e de livros imaginários através dos quais apreendemos o mundo''. Seja qual for a conclusão, concordem ou não com as idéias deste polêmico autor francês, que este seja um convite à leitura permanente e infindável, seja como for, em que meio se der. A leitura do pequeno livro de Bayard é um prazer, como deve ser toda verdadeira leitura.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Atletiba-II: adendos

Como pude esquecer de falar dos queros-queros ( ou quero-queros? ) que eu vi no gramado, inclusive depois do início do jogo? No início eles foram democráticos: 4 no campo do Curitiba, do lado esquerdo, e 3 no campo do Atlético. Depois foram se agrupando em um só dos lados. Mas não deixaram o gramado. O máximo que fizeram foi sair das quatro linhas conforme o jogo ia ficando mais disputado...Mas ficaram por ali, por perto da peleja...No intervalo e no final do jogo, as pizzas que são servidas tradicionalmente, e o cheiro forte dos pastelões que alimentam os torcedores naquela fria cidade. Ao final, quando os torcedores do Coritiba foram forçados a ficar trancados sem poder sair por 15 minutos, eu olhei ao redor e parecia que estava na Alemanha, na Suécia. Era uma brancura só! Algo estranho de ver em estádio de futebol. Só havia visto uma cena assim em Brasília, em um jogo do Fluminense...Isto não traduz a diversidade da própria cidade de Curitiba, que tem muitos orientais e alguns negros. Só mostra que, em primeiro lugar, eu estava no setor das cadeiras, e não nas arquibancadas. E, depois, que- tanto na Arena da Baixada quanto no Couto Pereira- quem freqüenta jogos de futebol é a classe média curitibana, que pode pagar, no mínimo, 30 paus por um ingresso...Depois, a cultura européia e de seus descendentes é muito forte nas cidades do Sul, e não evidencia necessariamente poder financeiro: ouvi uma daquelas pessoas falando com os amigos que ia voltar à pé porque só tinha ''um real''...

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Não confie em quem escreve...

Não confie em quem escreve. Quem escreve não vive, comenta. Quem escreve se assemelha aos garotos que ''fazem cera'' nos jogos de futebol: a qualquer dividida eles caem gritando como se tivessem levado uma entrada de quebrar a perna. Quem escreve, por seu lado, costuma também exagerar as suas dores, em busca de audiência e simpatia alheias. Quem lê, e escreve, também não viveu as maiores alegrias da vida: não saiu com as meninas mais bonitas, não foi o artilheiro do time da escola, não foi o cara mais popular da Faculdade. Livros, nem sequer os de AUTO-ajuda, não resolvem os problemas de ninguém. Não curam as dores. Não apresentam saídas. Ao contrário. Quem lê muito, e se atreve a escrever qualquer coisa- de artigos de jornal a blogs- torna-se um descobridor de novos problemas. Uma pessoa descontente, de costas para a vida, o real. Ler, ou escrever, não é a saída. É, isto sim, e não é pouca coisa, uma forma de botar as dores para fora, de tentar descobrir as suas origens e devolvê-las para o mundo. Vâ e quimérica tentativa. Escritores e jornalistas de todos os tempos sempre foram pessoas desequilibradas. Neuróticas. Teóricas em excesso. De um deles certamente surgiu aquele texto em que o autor fala que, se vivesse a vida novamente, deveria ter ''feito mais'' isto ou aquilo- tudo, exceto escrever mais. Escritores e pensadores de todas as espécies se assemelham às pessoas que vão às mais belas praias, e ficam discutindo assuntos pendentes dos lugares de origem. Felizes são as crianças, que pulam, riem e curtem o momento. Felizes são os surfistas, de poucas palavras e concentrados no momento, em cada onda que passa. Escritores não mudam o mundo, e muitos sequer mudam a si próprios. Mas o que seria o mundo sem este ''blá-blá-blá'' todo gerado pelos escritores? Sem todos estes livros sobre ''A Arte de Viver'', etc.? Livros não transformam o mundo, mas são um belo ORNAMENTO sem o qual este mundo seria ainda mais insuportável e doentio. Escritores passam por este planeta, sofrem, choram e fracassam como todo mundo, mas deixam um rastro, uma trilha, um caminho inicial por onde seguirão outros escritores, todos eles na ilusão de que deixarão uma obra ''eterna'', ''memorável'', que será lembrada pelas ''futuras gerações''. Uma quimera, mas uma bela e ilusória quimera- cantada em prosa e verso a cada palavra que se deixa em uma página de papel ou, como agora, na Internet...

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Atletiba

Desta vez não estava chovendo quando cheguei a Curitiba. Mas no dia seguinte caiu um temporal pela manhã, e eu tive de comprar mais um guarda-chuva( mais um para a minha coleção de guarda-chuvas comprados lá...). Não dá mais para defender a rodovia Régis Bittencourt, que vai de São Paulo para lá: está em petição de miséria, cheia de buracos, e carros, ônibus e caminhões tem de se desviar o tempo inteiro das crateras, quando dá. Não está em estado diferente ao das rodovias de Minas Gerais, as piores do país. Sábado foi dia de passear e assistir filmes. Vi dois, inclusive o último do Will Smith- ''Eu sou a lenda''- que, por si, daria uma crônica. E tinha a atriz Alice Braga, minha musa, que, por si, daria OUTRA crônica...Mas, voltemos ao jogo...No domingo o dia amanheceu frio e chuvoso, ''típico do verão''. Frio para quem acha, por sinal, pois não acho fria uma temperatura de cerca de 16 ou 17 graus- 13 em um relógio de rua. Sequer cheguei a levar um casaco ou qualquer outra roupa de frio. Os locais, em especial as mulheres, usavam algumas roupas do gênero. Depois de passear pela manhã, e almoçar pizza, na Pizza Hut próxima ao Shopping Crystal, meu ''point'' quando vou a esta cidade, fui andando para o estádio do Coritiba- o Alto da Glória ou Couto Pereira. Como diz o nome, fica em um lugar um pouco mais elevado que a cidade em geral- que é plana. Já havia feito o percurso outra vez, por isto não tive dificuldades em chegar. Levei cerca de 50 minutos, a pé, do hotel onde me instalei ao estádio. Primeiro caminhando em linha reta, e depois subindo uma rua próxima ao campo. Não usei nenhuma peça vermelha ou verde, para não me envolver em possíveis brigas dos torcedores locais. Mas o Coritiba estava mandando o jogo, e reserveu meros 2500 ingressos para a torcida do Atlético-PR, que ficou atrás de um dos gols, isolada, no que corresponde a metade da área atrás do gol. A do Coritiba, em especial a Império Alviverde- mais ruidosa, que dava para ouvir de longe, lembrava a torcida Independente do São Paulo- se concentrou atrás do outro gol( torcedor sofre neste estádio, ficando com os piores lugares...). No meio estavam outros torcedores do Coritiba, uns na parte central, a chamada ''social'', cujo ingresso custa ''meros'' 100 reais(!), e outros- como eu, nas cadeiras Mauá, simples, que ficam no nível do solo. O estádio Couto Pereira tem capacidade supostamente para 50 mil torcedores, mas lotou ano passado na série B com meros 35 mil...Atrás dos dois gols ele é como o Morumbi, tem 3 anéis. Na área das cadeiras sociais, tem 2, e no setor das cadeiras Mauá está incompleto, apenas com dois anéis, um tem umas arquibancadas sobre as cadeiras Mauá, e é projeto da diretoria do Clube completar esta área com mais um anel ( proposta arriscada , quando um ex-presidente do próprio Coritiba propôs demolir o estádio para construir outro- junto com empresários- para mandar jogos na Copa de 2014). O campo é bem mais desconfortável que a Arena da Baixada, do Atlético-PR, mas é o mais tradicional, sede de muitos outros Atletibas como o de domingo...Enquanto o Coritiba fica no ''Alto'' da Glória, os atleticanos se situam na ''Baixada''- em outro bairro de classe média, mas em uma área mais baixa que a cidade em geral: mas não tão baixa quanto algumas áreas de São Paulo, que tem ladeiras para ninguém botar defeito...Do meu hotel para a Arena da Baixada leva-se de 15 a 20 minutos, andando, e ela fica perto de 2 shoppings: Curitiba e Crystal. Pois bem, voltando ao jogo, no início a torcida do Coritiba abafava os gritos dos torcedores atleticanos, em minoria, que foram inclusive proibidos de levar instrumentos de percussão...Depois, á medida em que o Coritiba foi perdendo gols, e foram muitos, os torcedores do meio foram se calando, e só se ouvia os atleticanos- muito animados- e os torcedores da Império Alviverde, do outro lado. O jogo lembrou o São Paulo X Corínthians do Brasileirão do ano passado, de fatídico resultado( os corinthianos venceram por 1 X 0, com gol de Betão no final). No início, o Atlético foi para cima. Logo, os ''coxas-brancas'' se impuseram em seu próprio estádio, e foram perdendo gols. Não que as chances de gol fossem muitas: era um clássico, muito disputado, com muitas divididas pelo meio-de-campo. O MINEIRO Ney Franco utilizou uma velha estratégia: atribuiu o favoritismo aos adversários, e montou um FERROLHO pelo meio e pelas laterais. Os ''coxas'' foram com tudo para o ataque, mas esbarravam na retranca atleticana e na inoperância dos seus próprios atacantes. A torcida foi ficando cada vez mais impaciente e, como a do São Paulo no ano passado, foi se calando, dando gás para os oponentes em minoria. Nos contra-ataques o Atlético se mostrava mais perigoso, dando trabalho ao goleirão Édson Bastos do Coritiba. Enfim, aos 20 do segundo tempo, em um lance inspirado do colombiano Ferreira, o Atlético fez o seu gol, levando a pequena torcida à loucura, com fogos vermelhos e tudo. E eles provocavam os rivais, gritando ''Ei, coxa, vai tomar no...''. Após o gol o Coritiba, de Dorival Júnior, foi ainda mais para o ataque, perdendo ainda mais alguns gols. De vez em quando os torcedores mais próximos ainda se animavam- um chegou inclusive a dizer que seria ''de virada''- mas no final o Atlético, em mais um contra-ataque, bateu o prego final no caixão do Coritiba fazendo 2 X 0. Neste momento vários torcedores alvi-verdes tentaram sair do estádio, e se depararam com os portões fechados. Esperamos, por estratégia da PM, 15 minutos após o final do jogo, para dar tempo de os atleticanos irem embora, evitando maiores conflitos. Eu deixei de pegar táxi nos arredores do estádio pois o trânsito não andava. Depois, ao caminhar por uma das ruas próximas, vi alguns torcedores da Império Alviverde correndo e gritando palavras de ordem, seguidos por policiais. Segui na direção oposta e, ME PERDI. Fiquei andando às cegas, e de noite, por várias ruas, sem saber mais em que direção ficava o centro da cidade. Ao redor ouvia sirenes, buzinas, sinais de um possível conflito entre torcedores. Até que, após meia-hora de caminhada, achei um táxi e me mandei de volta para o hotel para assistir o ''Troca de Passes'' do Sportv. Um pouco de improviso na ''Cidade Modelo'', mas acabei resolvendo tudo, ao final. Minha experiência de ''torcer'' pelo Coritiba não foi bem sucedida, mas ''o primeiro Atletiba a gente não esquece jamais''...

sábado, 19 de janeiro de 2008

Breve, aqui, comentários sobre o Atle-Tiba de domingo...

Por enquanto, as condições climáticas são ''típicas de verão'': chove, a temperatura está em torno de 20 graus. Todos os jornais da cidade falam do clássico de amanhã, onde são esperadas mais de 30 mil pessoas. A ''cota'' de ingressos destinada aos torcedores do Atlético Paranaense- 2500- se esgotou em apenas duas horas. Outros ingressos para atleticanos podem ser liberados caso a torcida do Coritiba compre toda a sua cota. Os preços são absurdos: cadeira social,com a melhor visão do Estádio, custa 100 reais. Optei pela cadeira ''Mauá'', mais popular, em lugar no nível dos jogadores: 30 pilas. Mais detalhes posteriormente.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Vocação

Há uma diferença significativa entre vocação e carreira escolhida. Escolher significa ter várias ou pelo menos duas opções igualmente válidas. Vocação significa amar tanto algo que você faria aquilo até de graça. Aliás, faria não. Já o faz. Naturalmente, sem esforço. Muitos dos melhores escritores entraram no ramo como algo compulsivo, meio como o sexo. Que faz sofrer, mas traz alguma satisfação íntima. Eram pessoas problemáticas, muitas loucas, e usavam a escrita como forma de purgar os seus terrores, de lidar com o seu lado ''negro'' interior. A obra inteira de Baudelaire valeu, enquanto vivo, meros 15 mil francos, enquanto outros escritores muito inferiores recebiam 10 vezes mais por um único trabalho...Victor Hugo foi um destes escritores mais populares mas convenhamos, com mérito. Hoje, com a facilidade e a expansão gerados pelo advento da Internet. milhares de jovens escritores se lançam ao mundo. Muitos sequer foram publicados. Outros, se o foram foi devido a algum prêmio em concursos literários, e nem isso é garantia de que serão lidos por um número expressivo de pessoas. Mas não importa. Eles continuarão fazendo isto enquanto puderem. Vários sacrificarão seus parcos bens, parte dos vencimentos recebidos em outras atividades, a sua tranqüilidade e as suas horas vagas pela busca da grandeza que é fazer Arte com A maiúsculo. Não pensem que é fácil a vida dos atores, muito pelo contrário. Harrison Ford foi carpinteiro para sobreviver, e só adquiriu fama e fortuna bem tarde. O talento dos artistas da bola, como um Robinho, também se desenvolveu em diversas tardes prazerosas nos ''terrões'' no meio da rua, com bola de meia. Não que eu esteja querendo me comparar a esta gente toda, aos melhores de cada área, mas escrever um blog, entre milhões, e esperar que alguém leia é quase uma miragem. Eu, como tantos, faço isto em primeiro lugar por mim mesmo, porque gosto. E o faria mesmo que fôsse única e exclusivamente para o meu próprio prazer. Porque me mostro, inicialmente, para mim mesmo, em um processo único de auto-descoberta. Isto não tem preço. Me consola também imaginar que não começamos do nada. Somos parte de um processo infinito de idéias e pessoas com quem dialogamos imaginariamente, uma vez que não podemos vê-los ou partilhar alguns momentos em sua companhia. E esta inclusão nesta vasta confraria não se dá por algum convite exterior: somos nós que nos convidamos, que sentimos falta de fazer parte deste processo. Por mais messiânica que seja, a idéia de que somos portadores de uma espécie de ''missão'' muito maior do que nós mesmos nos faz suportar as provações do destino nesta e em outras infinitas áreas. O mundo nos sustentou, nos colocou onde estamos com algum propósito, e seria um desperdício não retribuirmos tudo isto de alguma forma. Em um mundo onde muitos optam por sujar, das mais diversas formas, que a nossa escrita seja uma reação, por menor que seja, em busca de mais pureza, de ar limpo. Que nos transforme em garis, garis com uma caneta nas mãos e o coração impoluto, apesar da passagem do tempo ainda cheio de sonhos e esperanças vãs...

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

O ''negão'', a mulher e o religioso

Os mais experientes devem lembrar desta estória. A cada eleição os ''favoritos'' eram os mesmos, Lula e Brizola. Depois de um certo tempo, surgia um ''tertius'' vindo do nada, e ganhava o pleito. Os esquerdistas tradicionais serviam apenas como um espantalho, para que as pessoas se dessem conta- e eram ajudadas nisto pela mídia- do risco que eles representavam para o sistema. Um dia, se deram conta que era muito melhor entregar as rédeas para um Lula assimilado que renegou todas as suas idéias anteriores, mas esta é uma outra estória. Lembro destes fatos por causa do ''auê'' que tem despertado entre imprensa e incautos a idéia de termos um negro candidato à Presidência dos Estados Unidos. E não só isto: junte-se também a candidatura de uma mulher independente, progressista, que não tem ''papas na língua''. Este seria o cenário ideal, não é mesmo? Porém, as lições de um passado recente brasileiro mostram que, inicialmente, os eleitores gostam de experimentar candidatos mais ousados. No entanto, a viabilidade destas candidaturas dependerá, em boa parte, do comportamento dos adversários republicanos. Entre estes, há um candidato respeitável, de centro- McCain- um mórmon e um evangélico extremista. Caso triunfe nas prévias este último, será um passeio dos democratas. Será Hillary ou Obama o vencedor das eleições. No entanto, a candidatura de McCain tem dado sinais de revitalização. E podemos mesmo arriscar que, sendo este o escolhido, e considerando que a massa de eleitores sempre pende para o centro, os republicanos podem vencer mais uma eleição. Por mim eu votaria em Hillary, mas sabe-se que mulheres na Presidência de países são fatos raros. Mais raros ainda quando se trata de mulheres fortes, determinadas, independentes. Tal como no Carnaval, tudo acabará na próxima terça-feira 5 de fevereiro. Veremos se sou bom de palpites na política, uma vez que no futebol já está perdendo a graça torcer para um time- São Paulo- que ganha todos os campeonatos...

Estorinha...

Sabem da estória do homem que foi para a igreja rezar? ''Deus- disse ele- é só o Senhor me deixar ganhar na Loteria que tudo ficará bem. Não é por mim, Deus, é por minha família. Minha esposa precisa de cuidados médicos intensivos muito caros, e minha filha vai para a Faculdade e não tenho dinheiro para pagar as mensalidades. Sempre fui um homem honrado, e esta é a primeira vez que realmente Lhe peço algo. Por favor, conceda-me este único desejo''. Depois ele foi para casa e esperou. Quando anunciaram os ganhadores da Loteria, seu nome não estava na lista. Então, na semana seguinte, voltou à igreja e rezou novamente. ''Talvez o Senhor não tenha entendido- começou ele- Sempre fui um homem honrado, e este pedido não é para mim, é para a minha esposa e para minha filha. Se o senhor me deixar apenas ganhar na Loteria, poderei dar toda a ajuda de que necessitam''. Mais uma vez ele foi para casa e, depois do sorteio, procurou em vão por seu nome entre os ganhadores. Nada. Então, mais uma vez, ele rezou. ''- Meu querido Deus. Realmente preciso de sua ajuda. Ganhar na Loteria é crucial para que eu tome conta de minha esposa e de minha filha. Sempre fui um bom homem, e nunca pedi nada para mim mesmo. Esta é a primeira vez que Lhe peço algo, e não tenho certeza de que esteja ouvindo. Por que o Senhor não me ajuda?''. Logo depois, uma luz apareceu diante de seus olhos, e ele ouviu a voz de Deus, dizendo: ''- Ajude-me, Saul. Compre um bilhete! ''

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Voltas que a vida dá...

Há poucos dias, descobri aqui em São Paulo um lugar com um nome incomum: ''O Melhor Bolo de Chocolate do Mundo''. Diz um folheto da doceria que ela surgiu em Lisboa, como um restaurante. Que servia um bolo de chocolate que era elogiado por muitos, que confessavam comer no tal restaurante só para comer o bolo de chocolate como sobremesa. E que os mais entusiasmados o qualificaram como ''melhor bolo de chocolate do mundo''. O apelido ficou, o restaurante fechou e virou doceria, uma jornalista brasileira conheceu e se entusiasmou, trazendo a tal iguaria para São Paulo. A lojinha só serve DUAS espécies de bolo- o tradicional e um com chocolate meio amargo- além de um café expresso e um vinho do porto para acompanhar as guloseimas. O bolo realmente é digno de tal título, embora eu não seja um ''expert'' em chocolates: é leve, leva pouca farinha e açúcar, ao estilo dos doces franceses. Para os curiosos, fica na rua Oscar Freire próxima à rua Peixoto Gomide, nos Jardins. No meio de tantos cafés famosos e docerias, eis uma bela descoberta. PS: Já voltei outra vez para comer o tal bolo, mas não levo para casa para não me empanturrar...

Proposta Interessante

Os que costumam ler este blog, sabem de minha preocupação com o tema dos acidentes de trânsito. Por influência da corrente despenalizadora do Direito Penal, foi aprovado o atual Código de Trânsito. O resultado é que a legislação ficou defasada em relação a uma realidade monstruosa: milhares de vítimas são registradas a cada ano, em decorrência da conduta de motoristas irresponsáveis e/ou alcoolizados. Para fazer frente a esta realidade, instituições como o Ministério Público procuraram utilizar conceitos do Direito Penal- como o de Dolo Eventual - para aumentar as penas dos infratores. Embora correta a conduta do MP, para evitar a impunidade, não há segurança de sua adoção em todos os casos. Juízes venientes e júris emocionais podem não partilhar deste conceito, inocentando os assassinos do trânsito. Além disto, é duvidoso o papel da prisão no Brasil como meio de correção de condutas. Isto se os infratores- muitos de classe média, com condição de contratar bons advogados- forem para a mesma, ao final de um processo cheio de recursos. Em vista de tudo isto, é louvável a discussão iniciada pelo Ministro Tarso Genro sobre multas e confisco. Em um país marcado pela impunidade e pelos comportamentos anti-sociais e desviantes, há que se atribuir um papel crescente à punição pela parte mais sensível do ser humano atualmente: o bolso. Claro que multas confiscatórias tem uma constitucionalidade discutível, e certamente serão criticadas por muitos. E também é de se duvidar de um Governo que atua por meio de ''factóides'': a toda crise eles procuram divulgar propostas mirabolantes, como as feitas após a queda do avião da TAM no ano passado, que são esquecidas logo a seguir. Mas o principal é que se tocou no ponto nevrálgico desta questão: a única solução imediata para esta epidemia de mortes no trânsito, que vem ceifando inúmeras vidas como moscas, é afetar o BOLSO dos infratores, e bem pesadamente. Esperamos que estas propostas não sejam abandonadas mais uma vez, como tantas outras...

Casualidades...

No início do capitalismo, prevalecia a lógica que, com trabalho árduo, se venceria qualquer obstáculo. Com o decorrer do tempo, fomos vendo que esta lógica simples foi dando lugar a outras interpretações. Surgiram os rentistas, os capitalistas que viviam só da renda de suas aplicações( figura ainda muito comum no Brasil de hoje,não acham?). Hoje temos a figura dos ''neo-capitalistas'', que são os bandidos modernos. Eles se espelham no estilo de vida dos ricos e famosos, mas não tem paciência para esperar adquirir o mesmo modo de vida por meios lícitos. Por isto seqüestram e matam, em busca de carrões, tênis e roupas de grife. ''O dinheiro não tem cheiro'', é uma das máximas do Direito Tributário. Do mesmo modo, os ''neo-capitalistas'' do PCC e cia. imaginam poder ocultar-se tranqüilamente em um mundo onde o dinheiro fala mais alto, assim como as aparências. Mas não nos deixemos enganar por aqueles que conseguem dinheiro ''fácil'', seja de que forma for. Mesmo hoje, com tantos corruptos e ladrões, perseguidos pela polícia ou não, o sucesso continua como sempre foi. Uma combinação de espírito empreendedor e trabalho árduo. Os MELHORES triunfam em todos os campos do saber, das artes e do esporte. Falem em um nome de sucesso, e os rastros estão por todas as partes para detectar: trata-se de alguém que soube curar as dores e feridas, um obcecado pelo que faz a ponto de considerar o seu ofício muito mais um ''hobby'' do que um trabalho, um expert no seu ramo. Os nomes são inúmeros. Muricy Ramalho, no futebol. Washington Olivetto, na publicidade. Oscar Niemeyer, na Arquitetura. O saudoso Paulo Autran, no teatro e na TV. O sucesso não é só trabalho árduo- característica do ofício de milhões de anônimos batalhadores do dia-a-dia- e nem é só espírito empreendedor, que não dispensa a prática e os erros. É a soma dos dois. Claro que nem todos os ricos e famosos obtiveram o que tem pela soma destes dois fatores. Mas aqueles que optaram por ''atalhos'' mais ''fáceis'', por quanto tempo manterão suas posições? Qual a solidez do que possuem, em comparação com o resultado do trabalho de um Rogério Ceny, só para citar um exemplo? De quem lembraremos daqui há uma década: de um Renan Calheiros( ou da Mônica Veloso) ou de Rogèrio Ceny? O mundo continua sendo regido pelo mérito, não nos enganemos. Não fôsse isto, já teríamos nos explodido há muito tempo...O mundo continua sendo daqueles que não tremem diante dos obstáculos, daqueles que suam sangue nas batalhas de todos os dias, daqueles que não esmorecem jamais, daqueles que transformam suas dores e lágrimas em obras de arte que entretenem e consolam outros milhões de cidadãos. Daqueles que descobrem, enfim, que estão neste planetinha por algum propósito, e com algum tipo de missão a cumprir. Estes, ainda que não tenham vencido, já estão um passo adiante dos outros milhões que estão pastando às cegas, sofrendo e sem saber porquê, se julgando ''vítimas'' de algum destino que as escolheria ao acaso, beneficiando uns e perseguindo outros por puro arbítrio. Não existem acasos nesta vida. Há uma ordem por trás de tudo, por mais caótico que pareça. Nietzche deve ter enlouquecido em parte por ter concebido a figura do ''eterno retorno'': imaginem o horror que seria reviver as nossas simples vidinhas passo a passo, ainda mais sabendo que somos responsáveis por tudo o que nos ocorre...O bom é saber que este mundo é uma escola, e só precisaremos repetir as lições que não aprendermos por bem...Penas perpétuas, o inferno, o ''eterno retorno'' são ilusões daqueles que ainda não perceberam que tudo é inconstante e passageiro: as más, mas também as boas coisas. Dizia a música que ''tristeza não tem fim, felicidade sim''. A boa nova é que tudo tem fim, toda lição, por mais árdua que seja, tem fim. Todos somos atores em uma peça eterna, em que todas as personagens são passageiras. Hoje mendigos, amanhã reis, em uma linda alternância regida por uma força maior, uma ordem em meio ao caos aparente...

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Cenas antigas, na memória

De um antigo episódio da série ''Twilight Zone''( Além da Imaginação ),em que havia um personagem viciado em leitura. Não por acaso um ''quatro olhos'', com grossas lentes. O patrão vivia perseguindo-o por causa do seu ''vício'', enquanto ele sonhava com um dia em que poderia viver só para ler. Então ocorre uma Guerra Mundial, e o fanático por leitura sobrevive. Seu sonho está próximo de se realizar. Ele encontra um lugar cheio de livros, onde já foi uma biblioteca. O drama- oh raça dramática esta nossa!- é que ele teve destruídos os seus óculos na guerra, e não conseguiria mais ler...Falando em leitura, há um episódio da clássica série Star Trek( Jornada nas Estrelas- a série clássica )em que um personagem é achado no meio do espaço e trazido para a nave. Brevemente ele manifesta um desejo forte por aprender mais sobre o modo de vida terráqueo. Lê livros e mais livros( detalhe: todos projetados em telões como os nossos modernos computadores...mas a série foi feita nos anos 60...). Ele vai apreendendo todos os conhecimentos disponíveis na espaçonave, a ponto de se tornar perigoso para os demais tripulantes. O desafio será deixá-lo em algum lugar distante do espaço, de onde ele não possa sair...Como é perigoso, por vezes, o conhecimento...O terceiro episódio foi aquele da série Planeta dos Macacos, quando o Charlton Heston sai cavalgando por uma praia deserta, supostamente em outro planeta, e então descobre uma Estátua da Liberdade em plena areia da terra. A expressão de surpresa em seus olhos é fantástica: ele se dá conta de que sempre esteve no Planeta Terra. Só havia viajado alguns séculos à frente...

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Era dos Automatismos

Outrora já se vislumbrou uma era em que, por conta do avanço da técnica, os seres humanos seriam cada vez mais livres para criar e adquirir conhecimentos de todas as formas. Seria o ''Século das Luzes'', o triunfo da razão. Os anos vão passando, e esta era tão esperada vai ficando cada vez mais distante. O que se vê é um reforço dos automatismos, sob as mais diversas formas. Ano após ano, conforme o calendário avança, as pessoas vão entrando no frenesi das datas criadas pelo comércio. Mesmo este escriba, que está longe de ser um admirador do Natal- data em que faço questão de ir para o lugar mais distante possível- não pode escapar da ''lavagem cerebral'' natalina. Na TV, nos shoppings, nas ruas, somos invadidos por um frenesi de músicas natalinas, celebrando a fraternidade cristã e o amor universal. Multidões se atropelam na busca das tradicionais ''lembrancinhas'' baratas para presentear amigos e parentes (aliás, por que não se faz uma pesquisa sobre o grau de satisfação de quem recebe presentinhos cobrados na rua 25 de março e outros camelódromos que infestam o país afora?). É programa da Xuxa, especial com Roberto Carlos, peru de Natal, ceia de Ano Novo, tudo igual, ano após ano. Depois, como os feriados de fim-de-ano são mais prolongados que o normal, a massa sai em fuga para o litoral. Resultado: falta de água no litoral paulista, e uma espera de mais de 7 horas para o retorno à cidade de São Paulo. Ruas cheias no litoral, mercados super-lotados, falta de inúmeras mercadorias, inflação artificial dos preços das mesmas, sob o velho argumento da ''lei da oferta e da procura''. Quando as estradas estão ruins, as pessoas reclamam dos perigos. Depois, quando o governo asfalta algum trecho, o resultado são as inúmeras mortes ocorridas em Santa Catarina, um estado que tem algumas das melhores estradas do país...É duro fugir do automatismo, das repetições. Quem sabe alguns dos eventuais leitores destas linhas, se existirem, se lembrem de já terem lido este mesmo autor fazendo as mesmas digressões há alguns meses, ou anos...Talvez daí surja o grande fascínio que o Ano Novo exerça sobre a maioria das pessoas. A oportunidade de, enfim, após um ano de correrias, fugas e frenesis consumistas, poderem refletir sobre o que fizeram, fazendo até mesmo planos. Mas, como dizia o poeta, ''o tempo não pára''. Já é chegada a hora de agir, de recomeçar e, quando olhamos o calendário, já perdemos alguns dias deste novo ano fazendo tantos projetos. Perdemos horas ou dias tentando voltar para casa por estradas cada vez mais perigosas e aeroportos super-lotados. Se não retomamos o fio da meada com todo vigor, já somos hipnotizados novamente pelo alterar das datas ''importantes'': Aniversário de São Paulo, Carnaval, Páscoa, etc. E o jogo continua, até o próximo final de ano...Felizes os que podem se gabar de agir conscientemente, e não como autômatos. Os primeiros podem ser contados na ponta dos dedos. Os segundos são a maioria: cega, surda e muda. Nós, humanos, somos mera ''titica de galinha'', porém achamos que fomos feitos ''à imagem do criador''.Não seria esta a maior de todas as blasfêmias? Mas, ''atire a primeira pedra'' aquele que não levar uma vida cheia de automatismos e repetições...Feliz Ano Novo!!!

sábado, 29 de dezembro de 2007

Os cientistas e a ''morte de Deus''

''Deus está morto'', proclamavam os filósofos. A novidade é que hoje os maiores ataques vem da ciência. Mundo afora, diversos cientistas de renome publicam tratados sobre a inexistência de Deus e o ateísmo. Escândalo geral, em nações fundamentalistas como os países do Oriente Médio e os Estados Unidos...Minha perplexidade deriva do momento em que esta nova ofensiva se trava. Fazia sentido falar na ''morte de Deus'' no final do século XIX e início do século XX, em razão do advento de invenções como o automóvel, o cinema, o avião. Acreditava-se, naquela época, em uma nova Era das Luzes, conduzida pela ciência. A visão era de um progresso contínuo da humanidade, do qual aquela época constituiria o ápice...Combater Deus hoje, em um mundo em que as pessoas estão muito mais preocupadas com o consumo de novos bens tecnológicos, e hipnotizadas pela TV e pela publicidade, soa como piada. O Deus atual é a tecnologia, que fala inclusive em um ''pós-humano'' a ser criado pela Informática e pela ciência. O Deus atual é a velocidade, o ''tempo real'' em que uma miríade de informações- muitas sem qualquer relevância- despenca sobre nossas cabeças, sem que tenhamos sequer tempo de processá-las e raciocinar. A visão clássica de Deus do protestantismo, de um Deus que guiaria o nosso cotidiano, com o qual travaríamos um eterno diálogo em busca do nosso auto-aperfeiçoamento, um Deus que justificaria uma civilização marcada pelo trabalho árduo e não pela busca eterna por mais diversão, este Deus já está morto há muito tempo, na cabeça das pessoas. Se Deus não ocupa mais um papel central na cabeça da maioria dos seres humanos- nem sequer na dos ''bispos'' da Igreja Universal e de sua TV Record- entendemos que o atual ataque da ciência contra Deus só pode representar uma tentativa de eliminar qualquer concorrência, por mais ínfima que seja. Há dois processos em curso: um o dos cientistas que se proclamam ateus com tanta ênfase como os religiosos, e outro o dos cientistas como os da física quântica, que enfatizam a ligação entre ciência e uma nova espiritualidade que surge, sem os vícios e o ranço da anterior. O DVD ''Quem Somos nós'' é uma amostra desta nova ciência. Há uma diferença entre Religião e Espiritualidade. O declínio da primeira- com o fechamento de Igrejas por toda a Europa por falta de fiéis- não está relacionado com a ascensão da segunda. Talvez seja chegada a hora de retornarmos a uma visão panteísta como a dos antigos ''pagãos''- de quem a festividade do atual Natal foi roubada- que viam Deus em todas as coisas, no sol, na lua, na natureza, no mar. Que mundo teríamos criado sob esta visão pluralista de Deus? Certamente um lugar muito mais seguro e aprazível para se viver, onde as pessoas fossem mais felizes e não vivessem subjugadas em uma eterna busca por mais bens para justificar as suas fugazes existências. O advento desta nova espiritualidade será uma das questões mais importantes deste Terceiro Milênio em que o antigo ''Deus'' - já há muito morto pela ciência e pela tecnologia- pode reaparecer sob novas formas, mais próximas do dia-a-dia do ser humano...Não se trata da ''morte de Deus'' e sim, muito pelo contrário, do seu reaparecimento em um mundo mais humano, curado de suas cicatrizes...

Conversas com motoristas de táxi em Curitiba...

É dezembro, a chuva cai mais uma vez quando chego a esta inesquecível e acolhedora cidade. Os jornais anunciam uma ''fuga'' dos moradores rumo ao litoral e às aprazíveis praias de Santa Catarina. Enquanto os periódicos de Florianópolis brandiam assustados o número de 8 assassinatos NO ESTADO em um final-de-semana, 3 deles na Capital, os de Curitiba falam em 21 mortes nos últimos 5 dias. Assaltos e seqüestros são novidade lugares antes provincianos que começam a agora a conviver com a modernidade- para o bem e para o mal...O primeiro motorista com quem conversei, e que me levou para o hotel onde sempre me hospedo quando estou lá, disse-me que há alguns anos as chuvas levavam uma semana inteira, e hoje não passam de chuviscos passageiros...O último motorista, que me levou de volta para a Rodoviária de lá comentou que quando era um ''piá'' ( guri, na gíria local), no inverno as calçadas amanheciam cobertas por uma fina camada de gelo. E que realmente, como eu ouvi falar de uma terceira pessoa, as pessoas tinham de fazer pequenas reservas de água para beberem ou se banharem de manhã, pois ''a água congelava nas torneiras". Me lembro que o Gazeta do Povo, jornal local, mostrou que, em 1975, NEVOU na cidade- como este ano, em Buenos Aires...Pois bem, o segundo motorista comentou ainda, assustado, que no verão as máximas, que não passavam dos 30 graus, hoje chegam a 35/36 graus( um absurdo para um lugar onde já ouvi uma camareira de hotel reclamando de um ''calorão monstro'' quando o relógio marcava 25 graus...). Este ano, no geral, a imprensa fala em temperaturas médias no mês de dezembro 7 graus mais quentes, atribuindo o fenômeno ao ''La Niña''. O fato é que o processo de aquecimento global parece andar muito mais rápido que as mais pessimistas das previsões, e temos de nos preparar para dias ainda mais difíceis pela frente. Talvez os cientistas já saibam que o processo é irreversível, mas não falam para não alarmar ainda mais a população. Investimento do século: ações de empresas que fabricam protetores solares, bem como de empresas que colaborarem para a reconstrução de cidades destruídas por catástrofes naturais, como furacões, etc...Enquanto isto, a frota de veículos em São Paulo cresce 800 carros POR DIA...

Sobre agradar os outros- uma estorinha...

''Certo dia um pai, um filho de onze anos e um asno foram ao mercado. Para chegar ao destino, porém, tinham que passar por quatro vilarejos. O pai disse então ao filho: " Monta no asno que eu te acompanho a pé''. Chegaram ao primeiro vilarejo. As pessoas, vendo-os, comentavam: ''Vejam! Não existe mais religião! O jovem filho montado no asno e o velho pai indo a pé". O homem escutou o comentário e disse ao filho: "Escuta! As pessoas estão falando mal da gente. É melhor que eu suba no asno e tu me sigas a pé''. E assim fizeram. Chegaram ao segundo vilarejo e ouviram pessoas murmurando: ''Vejam que maldade: o pai tranqüilamente montado no asno enquanto o filho fica exposto aos perigos!". Para não serem mais criticados, ambos decidiram subir no asno. Chegaram ao terceiro vilarejo. Vendo-os, as pessoas os criticavam dizendo: ''Coitado do asno; carrega todo o peso sozinho! Ninguém mais respeita os animais! Ouvindo isso, os dois desceram do asno e seguiram a pé, puxando o asno. Chegados ao quarto vilarejo, novamente foram ridicularizados: ''Vejam estes dois idiotas: tem um asno tão forte e preferem andar a pé!". Pai e filho se olham e concluem: ''Fomos criticados em todos os vilarejos por onde passamos. O que nos consola é que em cada situação nos comportamos da forma que julgamos ser a mais correta''( Fonte: ''O Pensar Saudável'', de Maria Cristina Strocchi, Editora Vozes, páginas 66/67 ). Não se pode agradar todo mundo,eis uma conclusão razoável...

quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

O risco exterior, e o risco interior

Nos últimos anos, em todo o planeta, foi intenso o movimento em procura de maior segurança para morar. Houve, sem dúvida, seguindo o modelo norte-americano, uma ''condominização da vida''. Este processo foi favorecido pela conduta dos meios de comunicação de massa, todos pródigos em divulgar catástrofes, crimes escabrosos, etc. Pode-se dizer que, atualmente, há uma ''indústria da segurança'', que se alimenta de todo este clima de terror criado pela mídia. Porém, enquanto as pessoas estão mais preocupadas com traficantes pé-de-chinelo dos morros ou com a ''assustadora'' figura de mendigos e menores de rua- o perigo mais óbvio- elas se descuidam de um perigo muito mais insidioso, sorrateiro, eficiente. O perigo interior da submissão aos próprios meios de comunicação de massa. Pais se preocupam em garantir ''segurança'' para os seus filhos, em condomínios que buscam recriar- ao menos na aparência- a vida das antigas comunidades, onde todos se conheciam. Enquanto isto, os seus mesmos filhos estão submetidos a um ataque implacável da publicidade, dos programas violentos e sexistas. A ''condominização do planeta'' também leva a crimes violentos cometidos pelos jovens que são segregados nestes ambientes de falsa segurança. Numa completa inversão de valores, são estes jovens criados nestas granjas artificiais, sem contato com pessoas diferentes, que saem no mundo buscando purificar tudo que lhes parece ''errado'': empregadas são espancadas por serem confundidas com prostitutas, mendigos são queimados por estes ''filhinhos de papai'' desocupados. O mundo obcecado por segurança é, cada vez mais e paradoxalmente, um mundo inseguro e violento. Como a cidade de São Paulo, onde câmeras e vigias em número crescente não conseguem impedir crimes que, em número crescente, são cometidos por estes mesmos agentes de ''segurança''. O ideal da modernidade, de Baudelaire e dos ''flaneurs'' que passeavam sem rumo pelas nascentes metrópoles foi substituído por uma medievalização do mundo, onde cada um busca o seu castelo, e a visão livre das praias e ruas foi substituída pela visão dos guardas e dos muros. Mas garantir a cada habitante do planeta o seu ''lugar ao sol'', a sua casa ou apartamento na praia e o seu carro próprio é um caminho certo para o caos e para uma cada vez mais próxima aniquilação da espécie humana. Espero estar errado desta vez, a discussão está no ar...

terça-feira, 25 de dezembro de 2007

Reflexões sobre uma ilha (será que ainda existem ilhas???)

Escrevo estas linhas de Florianópolis, onde estive nos últimos 9 dias. Independetemente de qualisquer considerações que eu venha a fazer neste texto, é preciso que fique claro que este é um lugar sensacional, ao qual espero retornar por muitas e muitas vezes. Quem sabe um dia até morar aqui, o que faria sem pestanejar. Este é um belo e agradável paraíso, onde as pessoas te recebem como em nenhum outro lugar. As refeições são fartas e deliciosas, a preços mais em conta que em outros lugares. Um costume muito legal é o de, ao preparar um suco ou caldo de cana, eles costumam sempre deixar um pouco mais do que o normal- o que se chama aqui de ''chorinho''. As ruas são limpas e ordenadas, sem tantos mendigos como em outros lugares. Para quem chega de um grande centro, como eu, a sensação é de muito mais segurança. Pode-se caminhar à vontade pelo centro inclusive á noite. Porém, como esta não é a primeira vez que visito esta ''cidade-ilha'', fiquei espantado com algumas mudanças. A cidade, que tinha apenas um shopping center, com meras 3 salas de cinema, agora ganhou mais 22 salas e 2 outros grandes centros comerciais, que não ficam a dever aos de nenhuma outra metrópole brasileira( um deles é do grupo Iguatemi, talvez por isto seja tão parecido com os shoppings de Sampa). Ao redor destes shoppings surgiram bairros inteiros do nada, com casas que se espalham até quase o topo das belas montanhas locais. A ilha paradisíaca se aproxima cada vez mais do mundo-cão continental, loteada e saqueada pela especulação imoblliária. De fato, é cada vez mais impossível achar paraísos em um mundo em que todos querem ter o seu lugar na costa marinha. O resultado é que em algumas praias da ilha o cenário mais se parece com o do artificial litoral paulista, e temos de rodar por vários minutos até achar um mísero pedaço de chão que ainda nãol tenha sido cercado e loteado. O cenário mais se aproxima do antigo velho oeste americano, onde quem chega primeiro vai garantido o seu e ponto. O Mnistério Público Federal ainda tenta conter a febre especulativa com algumas ações, mas os grupos interessados nos loteamentos são poderosos. Entre eles o do Costão do Santinho, que acaba de lançar, em área protegida, o seu mais novo empreendimento. O Shopping Iguatemi, muito belo por sinal, foi feito em área protegida também, ficando embargado pela Justiça por vários meses...Mas levou...Porém o que eu quero levar daqui é a lembrança da verdadeira alma desta ilha, dos almoços em restaurantes simples á beira-mar em pequenos vilarejos com mais de 300 anos, de pequenas casinhas e gente feliz e hospitaleira. A lembrança das caminhadas à beira-mar em praias de água limpa e relativamente protegidas-ainda- da especulação. A lembrança de 9 dias comendo peixe como nunca, de todos os tipos, vários inesquecíveis( a MELHOR moqueca do Brasil, o MELHOR bacalhau que já comi, o MELHOR filé de peixe que já comi!), as caminhadas pelas ruas do centro da cidade- em algumas ruas só para pedestres, e outras tão estreitas que só dá para passar um carro- as compras de livros nas boas livrarias ''Catarinense'' e ''Livros e Livros'' (esta com uma ótima seção de livros universitários e da área de humanas), o pôr-do-sol na Avenida Beira Mar, a vista da Lagoa da Conceição do alto da montanha, com o mar logo ao fundo...Continua sendo uma PENA deixar Floripa, isto é que é mais importante...

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Divagações Paulistanas de Fim-de-Ano

Viver em um grande centro, para quem veio de um lugar menor, exige uma série de adaptações. Aqui ,no maior, TUDO É GRANDE. Grandes atrações, grandes prazeres, grandes problemas...Em um lugar como Brasília, era comum caminhar pelo Plano Piloto em certos horários e não deparar com uma viva alma.Em Sampa, ao revés, estamos sempre buscando espaços em meio à multidão. Esbarrando ou tentando não esbarrar nos outros. A Avenida Paulista, para os turistas como eu fui um dia, era o meu ''point'', lugar de chegada e de saída. Eu enchia o saco dos outros para dar aquela ''última passadinha'' pela Paulista. Hoje, tornou-se um lugar a evitar na hora do ''rush''. Grupos de 5 ou 6 pessoas, saídas dos escritórios, costumam caminhar lado a lado, impedindo qualquer ultrapassagem pelos lados. Uma caminhada mais veloz vira um simples passeio, sem contar os inúmeros sinais a atravessar...Costumo, para evitar estas mesmas multidões, almoçar mais cedo em um restaurante natural que freqüento. O restaurante reserva lugares para estes funcionários, como se fosse um grande bandeijão, lugares estes que- coincidência ou não- são os melhores, com vista para fora e tudo...Depois de meio-dia e 10 minutos eles começam a chegar aos bandos, ruidosos, falando das fofocas do trabalho, etc. A sensação de comer em meio a esta massa é de sufoco. Apressamos nosso ritmo para ir embora logo, sair para o ar livre. Nos finais de semana, quando comemos um pouquinho melhor, é só evitar sair de casa depois das 2 da tarde- hora em que paulistano começa a almoçar. O metrô, nas horas de ''rush'' é coisa de outro mundo: de manhã eles reservam duas escadas rolantes para a massa que sobe, e no final da tarde, duas escadas rolantes para o pessoal que desce. É MUITA, MUITA gente. Mesmo passando quase que de minuto em minuto, os carros vão extremamente cheios. Acho que só em Tóquio tem tanta gente que há até um funcionário especializado em empurrar as pessoas para dentro dos vagões! O trânsito, nem se fala. É mais fácil ir ao Rio de Janeiro de avião do que ir de uma ponta a outra da cidade de carro( 40 minutos contra ???). O ruído ''natural'' da cidade é o som das buzinas. Tudo aqui é bem acelerado, como aqueles antigos LP's de 76 (?)polegadas...Muitos caminham, exceto quando estão na nossa frente na hora do almoço, como se estivessem correndo. Sempre atrasados, sempre olhando para os relógios, alguns até falam neste ritmo ultra-acelerado- os professores dos cursinhos, por exemplo. Quem lê isto pode até imaginar que estou odiando, mas é o inverso. Por ter vindo de outro lugar, é difícil perder o nosso olhar ''forasteiro''. Mas as pessoas daqui, por mais que reclamem, tem um certo ar de orgulho pela grandeza do lugar em que vivem. Perguntem a elas se trocariam São Paulo por outro lugar, e poucos diriam que sim (aliás, e aqui está um mistério, até mesmo os moradores dos super-violentos morros do Rio de Janeiro tem medo de serem despejados dos barracos onde vivem...!). No último fim-de-semana recebemos um grupo de amigos daqui para um jantar em um restaurante perto de casa. Muitos vieram e voltaram de metrô- e eu fui acompanhá-los na volta até a estação. Era meia-noite, e soubemos que os trens circulariam até 1 da manhã de domingo. Neste dia quebrei meu hábito de sair sábado à tarde e voltar no início da noite para comprar os jornais de domingo, lendo-os ainda na noite de sábado em PRIMEIRA MÃO em relação ao resto do país. Comprei os jornais do domingo à meia-noite, voltando para casa á pé. O detalhe é que as ruas ao redor da estação estavam cheias, os bares e restaurantes estavam cheios, e em nenhum momento eu senti qualquer receio. É isto que faz de São Paulo um lugar único e especial, entre muitas outras coisas também. O automóvel aqui é dispensável. Para o meu próprio bem, e o do planeta( o Estadão informou, para nossa lástima que em São Paulo, pela grande concentração de CO2, o aquecimento foi 3x maior que no resto do planeta...Quantas árvores foram derrubadas para imprimir os meus grossos jornais de domingo? O que será feito com as diversas garrafas PET das águas minerais que bebo? Voltamos aos problemas, agora não mais restritos a São Paulo...).

domingo, 9 de dezembro de 2007

Ipiranga com São João...

Esta semana os meus caminhos me conduziram até esta famosa esquina. Lá, eu estava raciocinando que seria muito chavão lembrar da música famosa de Caetano, quando ouço dois turistas atrás de mim tentando lembrar e repetindo estrofes da música célebre...Aí não deu mais para esquecer: atravessei a esquina ouvindo os caras cantando a música, enquanto eu mesmo tentava lembrar mentalmente algumas estrofes...O lugar não tem nada de muito especial, mas foi marcante para o caipira recém-chegado da Bahia, Caetano Veloso. O feio é belo para quem o vê como belo...São Paulo reúne o belo ao lado do sórdido, confundindo mentes cartesianas e certinhas. Caetano captou bem o lado caótico da metrópole, e o ''preço da grana que cria e destrói coisas belas''...É isto? Corrijam-me se estiver errado...

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Caiu!

Enfim chegou o momento que todos esperávamos. Não, não foi ainda a queda de Hugo Chávez. Foi a queda do ''timão'' para a segundona. Nas telas as imagens de torcedores sofrendo, em especial os corintianos que foram ao estádio Olímpico. O Sportv mostrava imagens em seus canais dos outros 2 jogos que decidiriam os rebaixados: Vasco X Paraná, e Goiás e Inter. Em pouco tempo foi claro que este seria o jogo mais decisivo. Nem os corintianos esperavam alguma coisa mais do seu próprio time que estava em campo, e assim ficavam de olhos e ouvidos atentos ao jogo da capital goiana. O Inter, mesmo sem muita motivação, começou melhor e marcou, para a alegria da Fiel. O Goiás, sem muita técnica, era só vontade e, aos poucos, foi encurralando os colorados- este sem o apoio sequer de sua própria torcida...O jogo era meio lento, talvez pelo tradicional calorão de Goiânia. A emoção cresceu na cobrança repetida dos pênaltis, conforme a regra, para explodir no grito de gol quando o Goiás passou a estar na frente. O medo dos goianos era tanto que eles recuaram para garantir o resultado a qualquer preço, forçando os colorados a ir para frente, o que tornou o jogo ainda mais emocionante. Claro que, para o Inter, aquele era mais um jogo, sem maiores motivações. O Grêmio, por sinal, também atuou de modo diferente do habitual, depois de descobrir que o Cruzeiro estava vencendo. Enfim, era ''bolinha da Globo'' para lá e ''bolinha da Globo'' para cá, em um clima tão emocionante como o de uma decisão...O Corínthians foi premiado por uma campanha medíocre, e agora vai ter de disputar a Segundona- esta cada vez mais difícil e emocionante. Não se esqueçam que a Portuguesa demorou 5 ANOS para subir novamente, tal o nível de disputa da Série B. Para o Coritiba também não foi fácil. O Corínthians foi rebaixado, todos sabem, na partida contra o Vasco, quando foi incapaz de impor-se apesar de contar com o apoio de 35 mil torcedores. Os fogos aqui em São Paulo, quando os jogos terminaram, foram ensurdecedores. Santistas, palmeirenses e são-paulinos certamente tiveram um presente de Natal antecipado. O futebol brasileiro lentamente se profissionaliza, e os que não acompanharem o ritmo vão ter de cair mesmo, sejam populares ou não.

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Cai, não cai

Nas ruas, nos programas de TV, só se discute uma coisa por aqui: o Corínthians cai, ou não cai para a Segunda Divisão. Nota-se, assim, que o brasileiro adora dar atenção a um problema. O campeão indiscutível, o São Paulo, time que o técnico Felipão afirmou em uma entrevista ter condições de disputar de igual para igual com os maiores times da Europa, e que seria favorito certo nos campeonatos brasileiros ''dos próximos anos'', virou notinha ao pé das páginas de jornal. Todos, tantos os contrários- como eu- como os seus torcedores, só querem saber de falar no alvinegro do Parque São Jorge. Aliás, eu escutei uma frase muito interessante, que tratarei de reproduzir aqui (adaptada): ''eu tenho dois times: o São Paulo e o adversário do Corínthians em qualquer jogo!". Claro que isto pode ser adaptado e utilizado por adversários do Flamengo, etc. A overdose de ''timão'' chega ás raias da loucura. Hoje os canais Sportv tem analisado em todos os seus programas diários- o matutino, o vespertino e, quiçá, daqui a pouco, o Troca de Passes das seis e o Sportv News das dez e meia- a dramática situação dos Gaviões. E, olhem só que absurdo, como se fossem estrelas da mais alta categoria ou astros da seleção brasileira, o Sportv chegou inclusive a mostrar o treino de hoje do Corínthians no estádio Beira-Rio( do Inter, onde está se preparando em Porto Alegre para a batalha de domingo). Por outro lado, o Globo e o Globo Esporte(TV Globo)alertaram para o fato de que as duas arqui-inimigas torcidas gaúchas estão unidas pelo rebaixamento do ''timão''. Como se sabe, aquele campeonato de 2005 que foi vencido pelo time paulista, foi colocado sob suspeita por um próprio dirigente alvinegro, que teria admitido que a diretoria Corintiana e a MSI teriam comprado arbitragens e modificado resultado de jogos para favorecer o time do Parque São Jorge. Até hoje o Internacional, vice-campeão, questiona a arbitragem desastrosa que anulou um gol do Inter e expulsou um de seus jogadores no jogo contra quem? O Corínthians... O fato é que o futebol, e por isto é tão interessante, tem suas surpresas. Esta mesma combalida e questionada equipe venceu o campeão São Paulo e o vice Santos, bem como o favorito Botafogo no Rio...Pela lógica, um time que perde como perdeu para o Vasco em casa, com o apoio de sua torcida, e jogando um pífio futebol, sem nenhum poder ofensivo, e ainda sem o artilheiro Finazzi, vai cair mesmo. Mas, por incrível que pareça, o time pode permanecer na Primeira Divisão, mesmo com uma pífia campanha de meras 10 vitórias e 15 empates, até mesmo com uma derrota. Não é impossível que os maiores aliados do ''timão'' até aqui, seus adversários Goiás e Paraná, times igualmente combalidos e incompetentes, percam seus jogos para Internacional e Vasco. Dos três o Corínthians é, e não é incrível, o melhor colocado. Pode ficar na Primeira até mesmo com um empate ou uma derrota. Mas, para isto, é necessário que os adversários não vençam. Se o Goiás empatar em casa, resultado normalíssimo, o ''timão'' terá de suar para VENCER o Grêmio, candidato à Libertadores, no estádio Olímpico. Aí, a cobra vai fumar e se contorcer...

Notas Dispersas

Outro dia eu me vi descendo mais uma vez a rua da Consolação, sentido centro, como não fazia já há algum tempo. Na verdade, desde que vim morar aqui em São Paulo. Esta rua, para quem não sabe, é uma das mais movimentadas da cidade, palco inclusive de eventos como a São Silvestre. É cheia também, próximo à Avenida Paulista, de lojas especializadas em lustres e material de iluminação. Mais abaixo, tem o grande Cemitério da Consolação, cujo grande mérito é, para nós, pedestres, proporcionar-nos um pouquinho de SOMBRA, em meio ao sol escaldante da capital paulista. O que é mais surpreendente, nesta capital, é a facilidade e a rapidez com que vamos ''do luxo ao lixo''. Entramos em Higienópolis, bairro chique, para almoçar e, em questão de minutos, ou voltamos para a rua Augusta, famoso ponto de ''inferninhos'', casas de massagem e prostituição noturna- embora não se limite a isto, claro- ou continuamos descendo a Avenida Angélica, rumo ao centrão. Esta semana até aconteceu um fato engraçado: eu ouvi um surpreendente- para quem já está se acostumando a ser chamado de ''senhor''- grito de ''moço, moço''. E, para minha surpresa ainda maior, foi proferido por uma bela jovem, que queria indicações de como chegar ao centro. Contive a minha vontade de oferecer-me para levá-la pessoalmente, o que soaria suspeito, e expliquei que logo ali, na Av. Angélica, ela poderia pegar um ônibus que a levaria ao lugar procurado. Eu sempre parto do pressuposto que as pessoas preferem táxis, ônibus ou qualquer coisa ao modo mais tradicional, mais antigo, e mais saudável, bem como divertido, que é a caminhada. Depois do almoço, por sinal, foi como eu cheguei ao mesmo centro. Lá, entre diversas visitas a livrarias, como a Saraiva e a RT, acabei ouvindo o seguinte comentário, proferido por um camelô: ''O Pelé? O Pelé é do tempo dos dinossauros. Hoje ele não ficaria em pé, de tanta porrada que ia levar dos zagueiros". Estes diálogos de rua são muito engraçados. Há até uma coluna do Globo, na Revista de Domingo, que reproduz diálogos semelhantes, e frases igualmente originais proferidas pelos divertidos cariocas. Mas, voltando ao comentário, até parece que o Pelé era aliviado pelos zagueiros da época. Ao contrário. Como sabia que seria caçado em campo, ele já se antecipava, e dava umas porradas primeiro nos beques para mostrar quem é que mandava... Observando o centro de São Paulo, eu fico me perguntando se a humanidade mudou realmente em todos estes anos, além da descoberta de alguns brinquedinhos como Ipods, Iphones, celulares, TV's de Plasma e poluentes automóveis...Acho que na Roma Antiga, e há alguns relatos interessantes de historiadores a respeito, era do mesmo ''jeitim''. Muita sujeira, barulho, movimento pelas ruas, miséria ao lado do maior luxo, poluição- os romanos jogavam os seus esgotos no Rio Tibre ou nas ruas, o que não é muito diferente da São Paulo atual... Terminei o passeio visitando um pequeno shopping- o Paulista, ao lado da Avenida de mesmo nome- que está em reformas para ampliação. E fiquei surpreso ao ver que a pequena livraria Saraiva que ele tinha mudou de andar e de tamanho: transformou-se em uma bela Megastore, para concorrer com as Fnacs e Culturas da região. Sinal dos tempos: eis uma transformação muito agradável e bem-vinda. Grandes livrarias convivem, na metrópole, com sebos e vendedores de livros na rua. Mas afinal, como perguntaria Caetano, quem lê tanta notícia? Tem gente lendo, eis uma notícia alvissareira. Gente suficiente para financiar todas estas livrarias, e todas estas revistas que a gente vê nas bancas. Talvez sejam alguns milhares, na cidade dos milhões, mas já é alguma coisa...

terça-feira, 9 de outubro de 2007

O que é um filme ''fascista''???

Na escola da vida aprendi a desconfiar das versões oficiais. A buscar e descobrir novas versões para os fatos, uma vez que a realidade é multifacetada, cheia de nuances. Na época da ditadura havia uma versão oficial: que o país ia bem, exceto pelos terroristas e subversivos que buscavam transformar-nos em satélite dos russos. Acontece que, em certos meios, a versão oficial nunca foi capaz de penetrar. Um destes meios era a intelectualidade. Hoje são aqueles mesmos ''terroristas e subversivos'' que se encontram no poder. Do que eles são capazes de fazer para estigmatizar e desmoralizar os seus adversários já sabemos, haja vista a última campanha para Presidente. Eles são todos cheios de razão. Sabem que, para triunfar sem objeções, precisam ocupar todos os espaços. E, em função disto, buscam humilhar e espantar seus inimigos inclusive na Internet. A razão desta longa introdução é que, mesmo antes do lançamento deste filme, já andava correndo uma versão sobre o seu caráter ''fascista''. Os mesmos intelectuais de plantão correm para os jornais e TV's para tentar impor esta visão simplista, e impedir as pessoas de terem a sua própria opinião sobre esta obra de arte. Filmes que mostram violência não são necessariamente filmes fascistas, que fique claro. Um dos filmes mais marcantes que já assisti sobre a Guerra do Vietnã, mostra um coronel enlouquecido e soldados americanos em helicópteros, prontos para abater os locais, ao som da Cavalgada das Valquírias. O filme é maravilhoso, e nem por isto passamos a apoiar os americanos em suas incursões intervencionistas em solo alheio. ''Tropa de Elite'' é um filme marcante, sobre uma realidade dolorosa e inacreditável que está ocorrendo no nosso ''país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza'' ( eu colocaria Jorge Benjor na trilha do filme...). Mostra quais são os mecanismos, quais os lados, quem contribui para que tudo isto se perpetue. Logo no início, o Capitão Nascimento (Wagner Moura, em excelente atuação)diz que na PM do Rio só há 3 opções: ''ou você se corrompe, ou você se omite, ou você vai para a luta''. O filme mostra o lado daqueles que optam pela luta. A luta é bela? Nenhuma é. Mas há aquelas batalhas que vale a pena combater. Para um suposto filme ''fascista'', o resultado acaba sendo o oposto ao de uma ode ao combate. Na hora em que os mesmos valorosos e combativos membros do BOPE, o lado que acabamos apoiando ao longo do filme, aqueles que não se deixam corromper ou intimidar por uma burocracia falida, se empenham em caçar um traficante que matou um de seus membros- e violam todos os manuais e todo o bom comportamento, torturando os seus inimigos e, infelizmente, igualando-se a eles, aquilo que todo o filme procurou contradizer- aquela sangueria toda passa dos limites. Vemos que os ''nossos'' defensores da lei, mostrados tão humanos neste filme, com seus sofrimentos e contradições, incorporam a lógica do combate, e aí não tem mais conversa, não tem mais teoria, não tem mais lógica: acabamos saindo da sala de cinema ainda mais deprimidos, indagando se haveria realmente alguma ''saída'' para esta merda toda... O filme nos dá esperanças, mostra que há uma batalha em curso entre Polícia- a instituição, e sua importância- e bandidagem, estes implacáveis, chegam a queimar um traficantezinho de classe média que desobedece suas ordens. Mas, no final, não há apologia de nada. Não tem Capitão Nascimento que racionalize nada. O traficante que matou o PM é morto, e a tela se escurece com o nome do filme. É morte por morte, tortura por tortura. O filme não propõe nada, ao contrário do que a visão pequeno-burguesa esquerdista de classe média teme. Não é fascista, pois filmes fascistas não tem nuances, não mostram lados opostos. É um filme cético. Dá esperanças de uma solução, que tanto esperamos, mas nos deixa em um vazio tão grande quanto aqueles que vislumbramos durante a sua exibição. Os vazios vistos do alto do morro. Não sabemos voar, não podemos escapar, não podemos matar todos os bandidos safados e seus inúmeros aliados, entre políticos, consumidores de drogas de classe média, comandantes corruptos da Polícia, dos quais os pequenos traficantes dos morros são meros instrumentos. Ficamos enojados com tanta carnifina e, aqui, acho que o filme cumpre um grande papel: que o nosso nojo, que o nosso cansaço seja propulsor de uma saída radical para esta coisa toda. Basta de discursos vazios e intelectualóides sobre a contribuição da pobreza para o tráfico: se a pobreza fôsse a causa, o tráfico teria se desenvolvido no sertão nordestino, e não no rico e desenvolvido Rio de Janeiro. Uma batalha está em curso. Infelizmente, nesta batalha só o Capitão Nascimento e seus comandados parecem saber qual é o seu papel . Nós, com nossos discursos pela ''paz'' e nossos manifestos pela ''justiça social'', só conseguimos fortalecer a mesma bandidagem que, no nosso interior, desejamos combater e eliminar...

domingo, 7 de outubro de 2007

Esquisitices humanas

Uma das grandes polêmicas geradas pelo filme ''Tropa de Elite'' diz respeito á responsabilidade ou não dos consumidores pelo tráfico de drogas. Mas, se o consumidor não é responsável pelo tráfico e a sua principal conseqüência, a violência, quem será responsável? Se, ao optarmos pelo uso de veículos motorizados e poluentes, não somos responsáveis pelos engarrafamentos e pelo aumento da poluição, quem será responsável por estas coisas? Se conduzimos estes mesmos veículos de modo imprudente, muito acima do permitido pelas leis do trânsito, e atropelamos outras pessoas, na nossa ânsia de chegar a tempo aos nossos compromissos, e não somos responsáveis por isto, quem será responsável pelo aumento do número de mortos e atropelados em acidentes de trãnsito? Se jogamos lixo nas ruas, e depois estas mesmas ruas ficam alagadas após uma chuva mais forte, em função do lixo que lota as bocas de lôbo, e nós não somos responsáveis por isto, quem será? Se, por impaciência, pressa, ou estas duas coisas juntas, optamos por corromper policiais com uma ''caixinha'' para não sermos multados, não contribuímos para o aumento da ''Banda Podre'' da Polícia e dos serviços públicos, quem será responsável por estas coisas? Se votamos mal, e os nossos eleitos contribuem para a manutenção de corruptos nos mais altos postos da política nacional, e nós não somos responsáveis por isto, quem será responsável por tudo isto? Entre todos os VÉUS que encobrem a consciência da humanidade, a não responsabilidade pelos nossos próprios atos é um dos maiores. O bom senso, o senso comum, para citar um exemplo, diz há séculos que o melhor é ''fazer do alimento o nosso próprio medicamento''. É o alimento, para falarmos de uma das coisas mais simples e básicas do mundo, que pode nos estimular ou curar- ou o inverso. No entanto, outros interesses nos levam cada vez mais a querer salgar, adoçar, fritar, manipular as coisas de modo a retirar o mínimo de nutrientes que elas contém. E, em função deste comportamento, somos forçados a gastar fortunas em remédios e ''estimulantes''. Somos nós que contribuímos para este atual estado de coisas, e somos nós que sofremos com isto. Se não somos nós, quem seria?!!!