Subi pelo teleférico a um ponto bem elevado da cidade de Campos do Jordão, de onde pude avistar toda a cidade. E lá, bem ao nosso lado, outros turistas iam posando para a tradicional rodada de fotos que é feita nestes lugares. Imagino que, em um futuro não muito distante, será impossível transitar por estes pontos turísticos tradicionais. Explico: você estará sempre ''atrapalhando'' a foto de uma outra pessoa. O que me pergunto, no fundo, é uma outra coisa. Cientistas estão preocupados com o armazenamento de informações nos frágeis meios digitais- isto atrapalhará o trabalho dos historiadores do futuro, graças à sua perecibilidade. Não estará acontecendo algo preocupante com a disseminação de todas estas câmeras digitais e celulares com fotos? A necessidade de olharmos um álbum de fotos de algum lugar em que estivemos- fotos estas que não terão o mesmo valor emocional para outras pessoas- afetará em que medida a nossa memória? A foto, me desculpem os apreciadores desta arte, é sempre uma redução, um enquadramento limitado do real. Sera´que todos estes fotógrafos amadores estão se preocupando, com a mesma ênfase, em guardar alguma recordação significativa, uma emoção gostosa relacionada ao lugar que estão visitando? A fotografia, disseminada, virou uma ''commodity'' barata, tão barata- em todos os sentidos- quanto o preço de todas estas câmeras e celulares. E a imagem- barata, disseminada e onipresente- não chega, a meu ver, aos pés da PALAVRA( esta sim real, não ''fake''). PS: Se bem que dizem que a invenção DO LIVRO prejudicou a nossa memória, uma vez que ANTES havia pessoas especializadas na arte de DECORAR textos inteiros...
segunda-feira, 19 de maio de 2008
Fugindo do ''fake''???!
A questão que faço é simples: haveria como fugir do ''fake''? A esta altura do campeonato, com a onipresença da imagem, haveria alguém ainda neste mundo que não posasse ante a presença de outros olhos, ou de uma máquina fotográfica ou de uma câmera? Estamos tratando da cada vez mais hipótetica possibilidade de encontrar um ser humano ''puro'', livre do ar ''blasé'' e fingido de todos os que somos tocados pelo universo midiático...Primeiramente, é preciso indagar se já houve alguma sociedade humana não influenciada pela aparência. Ao menos nos últimos 500 anos, temos relatos que mostram toda a força da moda, da roupagem, da imagem. Isto não surgiu hoje, Porém, o advento dos meios de comunicação contemporâneos potencializou estas características do ser humano. Elevou-as ao máximo. Hoje, inconscientemente, todos se comportam não mais como meros assistentes, espectadores. Ostentamos o ar de ''estrelas'' em busca do olhar do próximo. Tudo isto é um universo meio feminino: as mulheres não nos olham de frente, salvo raríssimos casos. Elas passam, e com o canto dos olhos reparam se você está olhando para elas... Hoje há um fato cada vez mais comum, e que transcende a fronteira entre os sexos: nos transformamos, com toda esta mídia, em espectadores ''frouxos'' e desatentos, péssimos ouvintes. Mas, paradoxalmente, estamos cada vez mais carentes de atenção, dependentes dos olhares alheios, carentes de um ''palco''. E estas necessidades sufocadas, não satisfeitas, explodem cada vez mais na forma de comportamentos violentos. Uma pessoa que bebe e sai dirigindo à toda, atropelando diversos pedestres não é bem um exemplo de um ser humano feliz, não é? As ''ilhas'' em que nos transformamos todos- cada um em seu universo particular, na sua casa, no seu carro, no seu condomínio- estas ''ilhas'' estão, no fundo, carentes da mercadoria mais rara da atualidade: a atenção. Os serviços massificados se deterioram, enquanto as coisas personalizadas e individualizadas tem um alto preço. Compare o atendimento de uma empresa de telefonia celular ao de um restaurante de luxo: na primeira vez que precisei de um serviço, após adquirir o meu telefone móvel, fiquei esperando cerca de 30 minutos em uma destas lojas para, ao final, desistir. Enquanto isto, no restaurante, maitre e garçons te cercam de todos os mimos. Detalhe: a atenção dos outros custa caro. A atenção não é a mesma no restaurante 5 estrelas e no McDonald's...Pessoas carentes de atenção lotam os consultórios dos psicanalistas. Entram em lojas, para comprar, seduzidos pela falsa cortesia das vendedoras. Compram, compram e compram. Mas este consumo todo não as satisfaz, talvez apenas por breves instantes. Incrível esta capacidade das mercadorias de nos seduzirem e desencantarem logo a seguir... E continuam, muitos, comprando mais...Mas fujo do tema principal: a pose. Tenho/temos muitos a tentação irresistível de buscar, de observar o ser humano ''como ele é''. Sem a pose. Sem saber que está sendo visto. E é este nosso ''voyerismo''' que sustenta toda a indústria da televisão e da sétima arte. Tal é esta nossa carência, que pagamos cotidianamente para assistir pessoas representando situações da chamada ''vida real''. Mas, ao contrário da maioria, não tenho a menor atração por programas do estilo ''Big Brother'': ali os seres humanos comuns SABEM que estão sendo vistos, e se comportam de forma tão falsa como a dos atores. Interessa-me, neste mundo de representações, a visão de alguém ANTES que esta pessoa se dê conta do nosso olhar, e comece a posar...Isto é dificílimo, principalmente em relação ás mulheres: elas parecem contar com anteninhas, com um estranho ''sexto sentido'' que lhes dá uma visão 360 graus do que está ao redor...Mesmo que não manifestem o menor apreço por quem as observa, e finjam ignorar-nos, elas estão cientes de que estão sendo vistas- e vão computando em suas mentes estes ''pontos'' todos que vão fazendo nos diversos ambientes. O mundo do olhar é o mundo feminino por excelência. As mulheres sempre foram educadas para serem as ''deusas'', as ''belas''. Diga a uma que ela é ''inteligente'', e ela sorrirá amarelo. Agora, diga mesmo a uma vovó que ela é ''linda'', e ela dará um sorriso coquete, sedutor. Por isto, como transitam com naturalidade por todo este universo de cirurgiões plásticos, moda, produtos de beleza/maquiagem, creio que as mulheres sequer sentiram a transição para este mundo ''fake'' em que vivemos. O universo feminino- e o destas réplicas ''fake'' do feminino que são os travestis- há muito transita com familiaridade entre o real e a réplica, a cópia reestilizada. Mulheres compram bolsas no Bom Retiro e depois as exibem ou vendem para suas amigas sem o menor pudor, misturando-as aos produtos ''oficiais''. A moda, em geral, é o universo do feminino, há muito tempo. Se buscarmos uma pessoa não posada, ''real'', teremos de nos mudar para uma distante ilhota do Pacífico, ou embarcamos em uma viagem pelo tempo em direção à Pré-História. A imagem venceu, percebamos este fato ou não, e comanda tudo, onipresente e auto-satisfeita...Como uma Giselle Bündchen...
Primeira vez em Campos do Jordão
Um rápido ''city tour'' em uma van- que está substituindo o tradicional trenzinho motorizado que percorre os principais pontos turísticos da cidade- e o guia vai informando que aqui é a mansão do ''ex-ministro Fulano'' e ali é a mansão de Edir Macedo, e ali é a mansão de não-sei-quem. A cidade, ao melhor estilo paulista, está toda fatiada. Campos do Jordão é o interior ''reestilizado'', ''fake''. Longe de mim criticar isto, urbanóide que sou. Mas, se você quer desfrutar alguns momentos de tranqüilidade longe do ''stress'' da cidade grande, fuja de Campos. Esta é um grande prolongamento de São Paulo, um ''shopping a céu aberto''. Mesmo não fazendo muito frio durante o dia, cerca de 20 graus no sábado meio-dia e 22 no domingo, ali os paulistanos e demais turistas aproveitam para usar seus sobretudos, cachecóis, luvas e outras roupas típicas de inverno que são alardeadas e vendidas em todas as esquinas da cidade. O ''marco zero'' da cidade- a Cervejaria Baden Baden- está lotado desde cedo, com filas de espera. Carrões passam lentamente, e seus passageiros botam a cabeça para fora para serem vistos. Carros são desnecessários ali- onde tudo é perto- mas, tal como na cidade grande, são uma marca distintiva de seus proprietários, um símbolo de ''status''. Por isto, na hora de ''rush'', Campos do Jordão tem mini-engarrafamentos. Neste gigantesco ''shopping a céu aberto'', esta extensão de São Paulo nas montanhas montada pelo capital, não nos sentimos longe da cidade grande: mini conjuntos comerciais ostentam as marcas de grifes famosas, na hora de tomar um café podemos optar entre um ''Fran's Café'', uma ''Casa do Pão de Queijo'', uma ''Copenhagen''. Fora destes lugares padrão, similares aos de cidades maiores, só nos resta escolher alguma das inúmeras lojas que vendem chocolates locais. O ''fondue''- que não é de nossa preferência alimentar- ali é onipresente, vendido nas suas diferentes formas. Campos do Jordão é uma réplica de cidades sulinas como Gramado e Canela. E estas, por sua vez, são réplicas de cidades européias... A diferença, significativa por sinal, é que a cervejaria ''alemã'' de Campos do Jordão não é alemã, nem foi criada por imigrantes alemãos...Por isto Campos do Jordão é ''fake'', ''réplica das réplicas''. Não quer dizer que seja pior que as cidades gaúchas mencionadas. Passamos bons momentos lá, e pretendemos voltar algum dia. Mas Campos do Jordão não surgiu, embora tenha muitas construções ao ''estilo europeu'', da iniciativa de imigrantes. Todas estas cidades, criadas por imigrantes ou pelo iniciativa do capital, sabem ''vender-se'' muito bem. Descobri em Campos, neste fim-de-semana, que as meias de qualidade que eu comprava em uma loja de um shopping paulistano que já fechou são produzidas ali. E eu pensava que eram importadas...Mas, pelo centro da cidade, podemos encontrar de tudo: pequenas lojas e barracas vendem todo tipo de ''lembrancinhas''- como é tradicional nestes centros turísticos. Somos assediados por todas as espécies de vendedores. A sensação, após dois dias, é a mesma que temos após algumas horas em um shopping center qualquer: de cansaço. Cansaço do barulho, cansaço das ofertas, cansaço da comida mediana comparada à da cidade grande, frustração por um frio prometido que não veio. Voltamos cansados dali, como de qualquer programa feito na cidade grande. Campos do Jordão, este interior reestilizado, ''fake'', esta suposta réplica de cidades sulinas ou vilas européias, deve ''bombar'' ainda mais no próximo feriado de ''Corpus Christi''- invadida mais uma vez por hordas de turistas que apreciam estes ambientes recriados que, francamente, não passam de outras versões de shoppings...Haverá ainda algum lugar, a esta altura, ''espontâneo'', ''legítimo'', não tomado pelo ''fake'', pelo mundo das aparências? Quem quiser procurá-los, que os procure. Conformado, eu visto a roupagem do mundo ''fake''- tão concreto e onipresente como o ar que respiramos...Ainda voltaremos a este assunto...
São Paulo- centro das réplicas...
Como abordamos no ''post'' anterior o universo das cópias, do ''fake'', é impossível não ligar isto á nossa- deste que vos fala- cidade. Mesmo porque, muito antes de toda esta pirataria tomar as ruas deste país e do mundo, São Paulo já se notabilizava como uma cidade ''fake'', cidade das réplicas. A capital paulista talvez tenha embarcado no mundinho da imagem antes mesmo de Debord escrever( há 40 anos)o seu ''Sociedade do Espetáculo''...Explico. São Paulo não se notabiliza, muito pelo contrário, pela sua beleza. Perde feio, dizem seus críticos, neste quesito para diversas cidades brasileiras- embore eu não concorde muito com esta difundida afirmação( provarei isto em outros ''posts''...). Mas é o que se diz por aí. Esta é a capital dos serviços. E a capital se notabiliza, no meio de milhares de restaurantes, hotéis, shoppings, etc, pela criação de ambientes que nos dão a impressão, por momentos, de estarmos ''fora' de São Paulo''. Ou seja, São Paulo- esta ''massacrante'' cidade- NOS VENDE ( literalmente)um ideal: a fuga de si mesma. E podemos fugir daqui por diversos meios- o menos recomendável e mais lento a escapada ''real'' pelo meio do trânsito...''Fugimos'' cotidianamente por meio de um dos inúmeros ''ambientes'' que nos são vendidos: um restaurante tailandês em forma de um templo oriental, com um pequeno lago lá dentro; uma cantina italiana, com funcionários uniformizados ao estilo daquele país; uma pizzaria que, segundo dizem, serve uma pizza ''melhor que lá na Itália'', restaurantes japoneses reestilizam, ao gosto dos clientes, a forma de fazer um ''sushi''. São Paulo é ou não é a ''capital da réplica, do fake? Outro dia mesmo virei a cabeça, aqui nos Jardins, para ver uma Ferrari passar. Pois, logo à frente, a suposta ''Ferrari'' começou a ter um problema no escapamento, como um carro comum, e quase parou...Eu caí, uma vez mais, na onda do ''fake''...No próximo ''post'' trataremos de um lugar próximo que também se especializou no ''fake'': Campos de Jordão, onde estivemos no último fim-de-semana...PS: E ainda sequer tratamos destes ''epicentros fake'' que são os shopping centers e os condomínios residenciais...
Viagem ao Universo das Réplicas
Na última quinta-feira, fui convidado por duas conhecidas para acompanhá-las durante suas compras no eixo 25 de março/Bom Retiro. As duas não moram na cidade: vieram especificamente para isto. O interessante é que o mundo da ''moda paralela'' profissionaliza-se cada vez mais: hotéis luxuosos, que não ficam a dever em relação aos similares dos Jardins, shoppings que reúnem diversos lojistas- e que são mostrados até em novelas de TV( inclusive há uma TV que não esconde utilizar as roupas vendidas nesta região do Bom Retiro para vestir seus funcionários e atores, em uma espécie de ''convênio''). Estamos no mundo do ''fake'', do que APARENTA ser algo. Os próximos posts, já planejados, tratarão deste assunto exaustivamente. Mas, voltando ao Bom Retiro, vendedoras em lojas cheias anunciam as últimas novidades estilo ''Chanel'' - que fique bem entendido: réplicas da famosa marca francesa...As duas entram e saem das lojas, freneticamente. Na véspera já haviam ''demarcado'' o território, localizando as melhores pechinchas. As lojas ostentam dois preços: ''varejo'' e ''atacado''( este segundo menor, para lojistas e pessoas que comprem em grande quantidade ). Ao contrário da impressão que tive na 25 de março, onde andamos nos espreitando no meio de uma enorme multidão, e as mercadorias parecem coisa de quinta categoria importada da China, no Bom Retiro as lojas são bonitas, pintadas. As ruas não estão tão cheias. Ao sairmos, após realizarem diversas compras, o motorista de táxi informou que ali era ''criada a moda do Brasil''. Errou no uso do ''criada'': ali, a céu aberto, é ''replicada'', COPIADA a moda do Brasil e do mundo. Com uma aparência que não envergonha minhas amigas e suas conhecidas de classe média. O mundinho ''fake'' vai além do conceito de ''pirataria''. Enquanto cidadãos respeitáveis adquirem roupas na 25 de março, e programas de computador na Rua Santa Ifigênia( centro de São Paulo), ou mesmo em gigantescos conjuntos comerciais em plena Avenida Paulista, até mesmo as marcas cohhecidas embarcam na busca por mais lucros a todo custo: aqui temos a ''terceirização'' da produção( e o seu produto ''IBM'' pode ter sido feito por uma empresa pequena de Taiwan...), e a fabricação em países pequenos da América Latina e do Extremo Oriente( tênis Nike ''made in Vietnã'', casacos Lacoste ''made in Peru'', etc.). Quando pensamos em ''pirataria'', isto nos remete à ação de bandidos ''externos''. Porém, os cada vez mais perfeitos produtos ''fake'' não dispensam a intervenção de gente de dentro das empresas famosas. Alguém acha que os últimos lançamentos de cinema foram copiados por um espectador dentro do cinema, com uma micro-câmera? Então como eles chegam aos camelôs SIMULTANEAMENTE ao lançamento do filme, ou mesmo antes? Reportagens extensas informam-nos que as réplicas cada vez mais perfeitas são feitas pelos mesmas confecções terceirizadas (chinesas?) que fabricam os produtos ''oficiais'', muitas vezes com o mesmo material e o mesmo molde...Não é o caso dos produtos do Bom Retiro: se o original é de couro, estes são de couro sintético...Mas enganam as suas usuárias, e isto é o que importa...O jogo das réplicas é feito também por lojas de departamento- de que já tratamos neste blog- que mantém espiões pelo mundo inteiro, para copiar os produtos das grandes grifes e lançar réplicas mais baratas para as multidões que as freqüentam...Inclusive este que vos fala...O mundo da imagem é o mundo do ''fake'', do que aparenta ser, do que ''parece que é''. A moda ''oficial'' sempre brincou com isto. A única diferença, hoje, é que a brincadeira é cada vez mais jogada por um número crescente de pessoas. Queiramos ou não- e esta crescente pirataria está ligada( como não?)à criminalidade, ao tráfico de drogas- isto tudo faz cada vez mais parte de nossas vidas. ''Brinca-se'' de replicar em plena luz do dia, à vista de todos (da Polícia, das autoridades, etc.). Não há quem não saiba disto. Não há quem, mesmo no nosso meio, não tenha tomado partido de uma destas múltiplas modalidades de ''fake'', à escolha do cliente. O ''fake'', e a tomada das economias ocidentais por quinquilharias vindas da China ''comunista'', isto tudo é a cara do ''real'', do nosso dia-a-dia. Uma ''realidade'' que é cada vez mais não distingüível das múltiplas ''realidades'' paralelas- todas aparentando a mesma coisa. O mundo atual assiste indiferente ao ''real'' sendo devorado de dentro de suas entranhas pelo ''fake'' - este sim um possível futuro do ''real'', um ''real'' em potencial do qual não sabemos ainda as conseqüências...PS: Elas voltaram com sacolas cheias do Bom Retiro. Os negócios, ali, vão muito bem, obrigado...
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