Desde o início do ano a cidade de São Paulo vem sendo tomada por eventos relativos ao ano de 1968. O CCBB realizou uma mostra de filmes e exposição sobre Guy Debord. Estava prevista uma passeata pelo centro da cidade para finalizar a Mostra. Há umas duas semanas, estive no Sesc/Pompéia- que não conhecia ainda- para assistir uma Mostra sobre a Contracultura. Com direito a filmes sobre os ''Panteras Negras'' e os Weathermen ( organização terrorista norte-americana formada por ex-membros da SDS- Students for a Democratic Society- grupo que liderou os principais protestos contra a Guerra do Vietnã e as ocupações das principais Universidades naquela época ). Diante do método utilizado para destruir os Black Panthers, até entendo porque o Obama faz tanto questão de bancar o estilo ''certinho'': a Polícia descobria onde estavam os líderes, e metralhava a casa inteira. A versão oficial era que ''houve resistência''...Mas toda esta ''Onda 1968'' não chegou aos livros. Pode-se dizer, ao contrário, que não há um grande livro publicado no Brasil sobre Maio de 1968. As editoras ''requentaram'' o livro de Zuenir Ventura, publicaram um ou outro livro estrangeiro, mas a ''grande obra''- indispensável- não deu as caras por aqui. ''Sociedade do Espetáculo'', de Guy Debord, ajuda a entender aquela época, mas não é específico sobre os acontecimentos de Maio na França. Aliás, para que alguém possa dizer que ''participou ativamente'' do Maio de 68, aqui ou lá fora, deve ter hoje em dia pelo menos 60 anos...Não é o meu caso. O ''meu Maio de 68'' eu curti por alguns livros. Há um especial, pequeno, se não me engano de Olgária Matos, da Editora Brasiliense, legal por mostrar vários dos ''slogans'' da época. Mas não ter vivido algo nunca nos impediu de desfrutar esta coisa. A esquerda marxista até hoje enche a boca para falar da Revolução Russa de 1917. Os ''beatniks'' até hoje são ''hot'', tantos anos após a morte de Jack Kerouac...Enfim, na busca por algo que me desse uma boa visão da época, de 1968, eu cruzei ontem a cidade. Estava passando um filme de Godard na Cinemateca, na Vila Mariana. Mas eu almocei em Higienópolis, indo depois para a região da Pompéia. O que me obrigou a pegar um metrô na Barra Funda, passando pela estação da Sé, e depois indo para a Vila Mariana- coisa de uns 40 minutos. O filme iria passar às 6 da tarde de sábado, grátis, em uma mostra de filmes sobre 68. Eu já havia assistido ''A Chinesa'' antes, há cerca de 15 ou 20 anos, na Cultura Inglesa de Brasília. Lembrava-me apenas das imagens fortes, com muito vermelho. Impactante, visualmente falando. Mas, qual não foi a minha surpresa ao constatar que a obra- que eu desejava ardentemente adquirir em DVD- está inevitavelmente DATADA. Como é maçante assistir todos aqueles personagens brandindo ''slogans'' revolucionários em uma comuna maoísta no ano de 67. O filme, que eu ligava aos acontecimentos de Maio de 1968, é, na verdade, o ''Anti-Maio'': não há ação, os personagens assistem aulas chatíssimas de marxismo-leninismo, ''A Internacional'' toca o tempo todo para eles, até na hora de dormir, as relações internas acabam sendo o elemento de maior dinamismo da obra. É nelas que vamos percebendo que algo está errado, está se fragmentando. Há a cena cômica de uma garota que dá o ''fora'' no namorado inesperadamente, colocando uma música ao fundo(para mostrar que é possível ''fazer duas coisas ao mesmo tempo''!!???), um membro que manifesta simpatia pelo ''reformista'' Partido Comunista Francês( PCF)- justamente o maior inimigo dos membros da ''Comuna''...um racha na hora de implementar uma linha pró- Luta Armada. O irônico de tudo isto é que, enquanto os estudantes e intelectuais franceses se abriam para as idéias e propostas de Mao, na China o próprio Mao- em luta contra a posição majoritária do Comitê Central do Partido Comunista Chinês- se apoiava nos jovens ''Guardas Vermelhos'' para triunfar. E o que faziam estes jovens ''braços armados'' do Maoísmo? O mesmo que foi feito depois no Camboja e no Vietnã: invasão de Universidades e tortura de professores e intelectuais, e envio dos mais recalcitrantes para ''campos de reeducação'' bem distantes. Uma jovem personagem de ''A Chinesa'' compara hotéis do ''Club Mediterranée'' aos campos de concentração nazistas da Segunda Guerra. E prega, pasmem, que se atire bombas sobre a Sorbonne e outras Faculdades francesas! Enfim, é tudo muito verborrágico- bem ao estilo francês, e da esquerda em geral. Fala-se muito, mas fazer, que é bom, nada. Bom retrato de uma época, e talvez de alguns grupos que participaram de Maio de 68, mas DATADO. E maçante. Interrompido umas 3 vezes para trocar o rolo de filme...Em uma destas interrupções, duas sortudas espectadoras de mais idade ''aproveitaram'' o momento para dar uma ''escapada'' daquilo...O filme é imprescindível para jovens aspirantes a cineasta, e talvez a platéia fosse composta em sua maioria por pessoas desta categoria. A reação à obra foi pífia: uma risadinha aqui e ali, sem empolgação ou aplausos ao final. Não foi desta vez, nem nos longos ''Amantes Constantes'' e outros filmes que procuraram retratar aquela época, que se fez um bom balanço de Maio de 68. Talvez nunca seja feito: ao contrário das demais ''revoluções'', a de 1968 é uma obra em aberto- e continua, como nunca, a influenciar a nossa época. Mesmo que seja por antítese...