Esqueçam as ''fórmulas'' batidas de vários cineastas da atualidade.
Esqueçam a maneira unilinear de compreender uma estória.
Pois ''Cópia Fiel'', em cartaz na cidade de São Paulo, não é um filme comum. Melhor dizer que são ''vários filmes compreendidos em um só''...
Uma obra rica e multifacetada permite diversas leituras, e esta é- modestamente- uma delas...
Comecemos com a maçante palestra que é dada por um crítico de arte em uma pequena cidade italiana. Um dos momentos mais chatos do filme mas que, ao mesmo tempo, é crucial para entendermos um de seus personagens( o crítico/ escritor).
Passemos para o momento em que ele conhece uma de suas admiradoras- a proprietária de uma loja de antiguidades- e ela se propõe a guiá-lo, conduzi-lo pela pequena localidade até a hora de seu embarque.
Os dois conversam durante o passeio, mas o diálogo não flui. Tensa, preocupada com o pequeno filho que tem para criar, ela mal ouve o que o ''brilhante'' escritor tenta transmitir sobre o ''sentido da existência''. Temos, aqui, o que poderíamos chamar de ''auge do discursismo''. Impera o lado controlado, racional, do personagem masculino.
Até aqui alguém poderiam comparar esta obra com outras, como o famoso ''Antes do Amanhecer''. Mas esta não é uma obra sobre diálogos, e sim sobre incomunicabilidade...
Tudo muda quando, em um pequeno café, a proprietária da loja de antiguidades decide apresentar o crítico como seu ''marido''. A partir dali, é esta fantasia que assume o primeiro plano. A ''masculinidade'' deixa o palco, para assumir um papel distante e desconfiado. Estamos no domínio das carências, da emoção, do não-dito, da sedução. Enfim, da feminilidade...
Não pretendemos contar este filme em detalhes. Até porque, mais do que entendido, ele precisa- em primeiro lugar- ser visto.
Mas a sensação final é de catarse. Incômodo. A película mostra uma pequena ''batalha entre sexos''. Personagens que, ao final, acreditam na própria fantasia que criaram para preencher suas carências.
Podemos perceber ali, resumidamente, o fracasso do lado racional, frio, masculino. E toda a instabilidade que a sua antítese- o lado apaixonado, sedutor, emocional- pode trazer à tona.
A personagem interpretada pela atriz Juliette Binoche é, no fundo, uma ''louca''. ''Louca de amor''. Seus olhos, todo o seu corpo transmite esta ''loucura'' incontrolável, tudo o que normalmente não pode ser dito até mesmo por faltarem palavras para expressá-lo.
O diretor Abbas Kiarostami fez, neste ''Cópia Fiel'', brotar nas telas não apenas mais um filme comum, daqueles que esquecemos logo após o final da projeção. E sim um exercício profundo- e por que não dizer também, incômodo?- do mais puro cinema. Que ainda nos ''arrepia'' e assombra horas, dias após ser exibido...
Alcnol.