Manhã de um domingo chuvoso. Após 47 dias sem cair o menor pingo, São Paulo volta ao normal. Em um dia como estes, nada melhor do que ir para um ambiente fechado. A rede francesa de ''livrarias''(?!)parece ser um programa ideal. Escolho ir para a loja de Pinheiros, com 5 andares. Um apenas com CD's e DVD's. Outro com produtos de informática e revistas, além de um belo café. Outro com TV's. E(ufa!)livros no TERCEIRO ANDAR...Mas aconteceu algo interessante e exemplificativo do que direi neste post, e isto ocorreu no andar das TV's: com todos aqueles aparelhos último tipo e ''home theaters'' instalados no andar, além de tentadores sofás em cantos estratégicos, é natural que os clientes se sintam motivados a utilizá-los. Não achei lugar em um dos sofás, mas fui ''fisgado'' pelas imagens que passavam em um dos aparelhos. Enquanto quase todos os outros mostravam filmes de ação- como ''Missão Impossível''- este, singelamente, exibia imagens com duas belas jovens. Nestas, às vezes com incríveis ''closes'' , elas iam de um ambiente a outro- na praia, em um campo de golfe, em uma mansão, no deserto. Eu, devidamente ''fisgado'' e ''embasbacado'', ia junto. Só ao fim daquela ''sessão non-sense'' comecei a refletir sobre o poder das imagens. Uma simples projeção havia feito com que eu, com o propósito inicial de ver exclusivamente livros, passasse cerca de 10 minutos vendo um ''filme'' sem o menor sentido...Ao final de cada ''cena'', aparecia a propaganda da marca de TV's. Eu não sabia na hora, mas era um pequeno ''gancho'' para que pudéssemos sair. Porém, nâo utilizei adequadamente a oportunidade que eles me deram de ''fugir'' dali...A qualidade das imagens- o corpo das modelos, suas faces, as praias paradisíacas mostradas, o campo de golfe, as mansões- era tudo MAIS BELO DO QUE NA REALIDADE...Lamento ''mundo real'', mas desta vez você perdeu! Aquela loja, aquele verdadeiro ''mercado persa'' que vende de tudo, e concilia coisas aparentemente inconciliáveis( por isto ela não è, de longe, a minha LIVRARIA predileta)apareceu, naquele momento, como um pequeno retrato da realidade maior que estamos vivendo a nível global. Há uma realidade ''externa'' aparentemente caótica e ''perigosa'', refletida em todos os noticiários. Este lado externo também se reflete na busca por dinheiro, fama e beleza, os ''alimentos espirituais'' de uma multidão ao redor do Planeta Terra. A onipresente imagem se tornou quantificável. Peguemos as modelos, e certas ''atrizes'': ''do que você vive?'', perguntariam. ''Eu vivo da minha imagem'', elas responderiam ou deveriam responder. ''Meu 'capital' é minha imagem. Eu vendo a minha imagem''. A imagem, nesta altura do campeonato, aparece como um fator de capital tão importante quanto fábricas e imóveis. Há toda uma INDÚSTRIA da imagem, deste ''mundinho'' das chamadas ''celebridades''. E isto é bastante rentável...Claro que isto aumenta a ansiedade dos demais, que não se enquadram nos chamados ''padrões'' estabelecidos pela ''indústria das imagens''. Mas mesmo isto, inclusive esta ansiedade por não estar dentro do que é convencionalmente chamado de ''belo'', acaba gerando um novo sub-produto, igualmente rentável: o mundo das cirurgias plásticas...Sintetizando todo este lado ''exterior'', diríamos que é uma incessante corrida para aperfeiçoar, melhorar o que está do lado de fora. Mesmo que o ser humano sempre tenha se caracterizado pela vaidade, que o digam os gregos antigos, poderíamos afirmar sem a menor sombra de dúvida que este ''frenesi'', esta ânsia por ser ou parecer belo e jovem, já atinge níveis inéditos. De ''solução'' começa a passar a problema- problema mental...Mas o mundo exterior não é só movido pelo estético. Também somos bombardeados diariamente por inúmeros ''gadjets'': é o celular ''último tipo'', Ipod, TV( o que prevalecerá? LCD ou Plasma?), DVD( já não está ''ultrapassado''?). Os lugares públicos transformaram-se, de lugares de interação que deveriam ser, em locais de bastante ruído- e exibição de ''aparelhinhos'' de todos os tipos...Com quem se ''comunicam''- por meio de seus laptops e celulares- estas pessoas, ao mesmo tempo em que fazem questão de ignorar todo o resto ao redor? Como conheceram estes seres com quem falam? Certamente deve ter sido em outra época, antes do surgimento de todos estes aparelhos ''de comunicação''...Embora o ''ruído'' de todos os nossos sonhos, pensamentos e emoções- canalizados pela indústria da comunicação de massa- seja enorme, ele não ocupa tudo. Em contrapartida- incrivelmente capitaneada por uma Internet que também é o terreno perfeito para a venda de produtos de todas as categorias e a propagação de estórias fantásticas e aterrorizadoras, assim como para a exibição dos ''egos'' de seus usuários ( ''pecado'' do qual não excluímos inclusive este humilde ''escriba'')e a disseminação de fofocas sobre o mundinho das chamadas ''celebridades''- são estes mesmos meios, é a mesma Internet, que também possibilitam uma incrível ''viagem'' voltada para dentro. Nas minhas séries favoritas de ficção científica dos anos 60- ''Túnel do Tempo'', ''Terra dos Gigantes'', ''Perdidos no Espaço'', ''Além da Imaginação'', ''Jornada nas Estrelas''- buscava-se mostrar um ''futuro'' onde o homem se transformaria em um colonizador do infinito e distante espaço sideral. Mais de 40 anos após, estamos muito longe disto. No entanto, e este lado é o melhor de tudo o que está acontecendo, viajamos cada vez mais para ''dentro'' de nosso Planeta Terra. Integramos cada vez mais tudo o que está acontecendo, vertigiosamente. Para o bem e para o mal, nunca estivemos tão ''juntos''. Estamos, cada vez mais, nos preparando para transformações que atingirão o planeta como um todo, e esperamos que sejam mudanças positivas...A Internet é o mundo ''paralelo'', onde participamos todos de uma espécie de ''baile de máscaras'': é o sujeito forte e ''machão'' que pode entrar em um chat identificando-se como uma garota, é o ''nerd'' feio e cheio de espinhas que navega por aqui como um peixe dentro d'água, é a adolescente gorda e tímida que- em um site de namoros- posta uma foto de uma modelo loira, magra e alta como se fosse ela mesma, é o sujeito que aqui ''brinca de escritor'', descrevendo um mundo ''real'' no qual ele se sente, às vezes, pouco à vontade...A Internet é uma possante ferramenta para que conheçamos o nosso lado de dentro. Ela age como um antídoto para todas estas ''exibições'' no plano externo descritas anteriormente neste post. É, como todas as ''vacinas'', um misto de vírus e remédio...Tem efeitos colaterais: pode viciar e até mesmo matar...Após todos estes discursos psicanalíticos e de auto-ajuda que se disseminaram após a revolta dos anos 60, estamos todos cientes da importância dos nossos egos. Inflam os nossos egos, para vender-nos todas as espécies de produtos. Fala-se muito do ''eu'': ''eu isto'', ''eu aquilo'', ''isto ME feriu'', ''isto não ME serve''. Vivemos, aparentemente, em um mundo de ''EGO-istas'', um mundo a serviço do ''eu''. No entanto, todos estes anos de discurso a favor de um ego ferido ainda não serviram para curarmos os nossos próprios ''eus''. O mundo virou, em certos momentos, um campo de batalha em que cada ego busca triunfar sobre os demais. Buscamos ainda um distante ponto de equilíbrio. O nosso ''eu ferido'' precisa, por instantes, de um pouco de silêncio, para que possamos- no meio de toda esta vertigem de tempos acelerados- tomar um pouco de fôlego. Um EU- continuemos sim na busca deste eu ideal- necessita demarcar o próprio terreno. Construir o próprio espaço. Ter o seu próprio ''condomínio'' no plano mental, o seu ''castelo'' onde ele possa por instantes olhar para si mesmo e descobrir-se. Mas nenhum ego feliz, independente e auto-realizado pode ser construído longe dos demais. Os ''outros''não são apenas o ''inferno'' vislumbrado por Sartre em sua famosa frase( ''O inferno são os outros''). Os ''outros''- estas ''estranhas'' e ''indecifráveis'' frações de nós mesmos- nos atemorizam mas também nos fascinam. Nenhum triunfo, nenhuma conquista verdadeira- seja no plano interno ou no plano externo- será completa sem que tenhamos, ao menos, uma ''platéia'' para assistì-la. De nada serviria sermos- mesmo que com mansões, carros último tipo, TV's LCD ou Plasma- como no filme ''A lenda'', os últimos habitantes do Planeta Terra...Atônitos em meio ao ''caos'' da atualidade, em seus múltiplos aspectos, ainda assim creio que estamos avançando...Dois passos à frente, um para trás, mesmo assim continuamos avançando, trôpegos e inseguros como ''bebês cósmicos'' que somos...