sábado, 2 de agosto de 2008

''A Reserva''

É sexta à noite, e eu decido ir ao teatro. Assistirei ''A Reserva'', peça com Irene Ravache. Como o espetáculo só iniciará às 21 horas e 30 minutos, temos de fazer aquele típico ''programa casado'' para passar o tempo. Comer, e depois pegar o metrô para chegar ao Teatro Cosipa- quase no final da linha sul do metrô( estação Conceição). A peça- claro, com este título- é sobre uma dona de restaurante. De início, quando percebi que eram só 3 atores e mais um cenário meio ''pobre'', além do fato de a funcionária do restaurante fazer o tipo ''empregada engraçadinha'' dos programas de TV, pensei: eu vou ODIAR esta peça. Impressão equivocada. Não é uma comédia, embora tenha elementos cômicos. O espetáculo gira em torno do velho e insolúvel dilema entre ''criar por amor ao que se faz'', correndo o risco de ver a sua obra ignorada, ou ''fazer algo esperando um retorno comercial''. A mãe, papel de Irene Ravache, é dona de um, inicialmente, concorrido restaurante. É surpreendida pela ''debandada'' do filho, que opta por estudar cinema no Canadá...Lá o filho é seduzido, em primeiro lugar, pela lucratividade do ramo da propaganda. Larga o cinema. Casa-se com a filha do diretor de uma firma que produz comerciais...Enquanto isto, a mãe permanece com o velho restaurante. Em uma viagem do filho ao Brasil, a mãe descobre- para sua surpresa- que a nora também é chef. E, para seu horror, uma chef daquelas que preparam pratos de comida de ''vanguarda'', seguindo a linha dos espanhóis. Aqueles pratos de ''comida molecular'', com pouca comida e muitos elementos de impacto visual- como espuma, etc. ''Os meus netinhos estão esqueléticos'', ela comenta. ''Também, comendo aquele tipo de comida...''. Porém, é a nora que faz um imenso sucesso com sua comida de vanguarda. Enquanto o restaurante da mãe, fiel aos seus princípios, vê debandarem boa parte dos clientes, ela é informada que a nora vai abrir o TERCEIRO restaurante de sua rede...A mãe luta por manter seu estabelecimento aberto, ante tantos contratempos, enquanto o filho vê, surpreso, um jovem talentoso recusar uma oferta milionária para trabalhar em sua produtora para...dirigir filmes...o grande amor de sua vida, aquilo que ele havia recusado em nome do dinheiro...Não há um ''final feliz'', para nenhum dos dois lados. Optar pelo ''sucesso'', pelo que é rentável, deixa um vazio. A criação exclusivamente por amor, no caso da mãe, acaba soçobrando pelo cancelamento de uma reserva feita no dia das mães pelos últimos clientes...Porém, é a fala da mãe que ''vale'' por todo este espetáculo teatral, que rejeitáramos inicialmente: ela fala da dor de todo criador- seja ou não do ramo de culinária- a dor de criar e ser, eventualmente, ignorado por todos. Um escritor não lido, um músico não escutado, um restaurante que, em meio aos milhares de estabelecimentos semelhantes em um grande centro como São Paulo, não é freqüentado por ninguém...Podemos soçobrar em meio à dor. Quando ela é maior do que o prazer de criar, o resultado é que cedemos ao fracasso. Mas nem tudo é dor: aquele mesmo jovem que havia recusado a proposta milionária da produtora de comerciais, em nome de seu amor ao cinema, torna-se um diretor bem sucedido...Fazer o que se ama não é garantia de nada na vida. Pode-se ser, ou não, ''bem-sucedido''( do ponto de vista vulgar, exclusivamente monetário) nesta árdua empreitada. O grande critério do sucesso, no ramo da criação, é o empreendimento em si. É o amor que se sente ao lançar o seu ''filho''( um artigo, um livro, uma peça de teatro, um filme, um prato de comida muito especial, o projeto de um edifício, etc.) para o mundo. Criar é uma forma muito interessante de junção com o CRIADOR MAIOR de todas as coisas, que está por trás de todos os nossos empreendimentos. Quando sentimos aquele ''arrepio'' por criar algo muito além de nossas próprias forças, algo que só poderia provir Dele, já estamos neste momento devidamente ''pagos''. O resto é lucro...PS: A peça me surpreendeu lançando todas estas questões, após um início meio vulgar. É um espetáculo interessante, que vale a pena. Uma criação que, para nossa alegria, felizmente veio à tona, realizou-se, concretizou-se, contrariando o maior medo de todos os criadores...