Outro dia, durante uma de minhas CAÇADAS na Livraria Cultura, deparei-me com uma obra cujo título pareceu-me irresistivel: ''Os livros da minha vida'', de Henry Miller ( Editora Antígona, de Portugal). Antes de quaisquer comentários, algumas observações sobre os Apêndices da obra. Neles, Miller elenca: I) ''Os cem livros que mais me influenciaram''; II) ''Livros que ainda tenciono ler'' ( esta a grande surpresa, que ainda não havia visto em nenhuma obra semelhante); e III) ''Amigos que me ofereceram ou emprestaram livros'' ( esta, então, é uma idéia generosa e deliciosa, da descoberta de livros como uma atividade conjunta, e não solitária...). Outra surpresa da obra são os comentários elogiosos ao indiano Krishnamurti. Surpresa porque normalmente identificamos Henry Miller à ''devassidão'', à sua trilogia iniciada por ''Sexus''. Mas aqui cabe um pequeno reparo: pelas citações, reparamos que a admiração de Miller pelo sábio indiano deve-se à sua independência. Pelas citações escolhidas, defere-se que Henry Miller destacou Krishnamurti por suas frases em defesa da independência do ser humano, até mesmo contra a existência de ''mestres'' e ''gurus'': ''Descobre por ti mesmo quais são os bens e ideais que não desejas. Ao saberes o que não desejas, por eliminação, irás aliviar a mente, e só então entenderá o essencial que está sempre ao seu alcance''. O aprendizado, aqui, é visto por Krishnamurti muito mais como um desfazer-se de coisas/pensamentos/''ideais'' do que como uma acumulação de pretensos ''saberes''. De fato, este desapegar-se é uma das principais conquistas que alcançamos conforme avançamos em idade...Para o mestre hindu ( o único ''mestre contra os mestres'' ), ''o objetivo da evolução é tornar-nos como os Mestres, que são o apogeu, a perfeição da humanidade''. Para isto, ele indaga: ''Por que te preocupas com os Mestres? O essencial é seres firme e forte, o que não é possível se fores discípulo de outrem, se tiveres gurus, mediadores ou Mestres a quem consideres superiores. Não podes ser livre e forte se me fizeres teu Mestre, teu guru. Não quero que isto aconteça...''. Em outro trecho, ele afirma: ''O homem é o seu próprio libertador''. E explica: ''Mestres? Sem dúvida. Homens que abraçaram a vida, não princípios, leis, dogmas, morais e credos. Na realidade, os grandes professores não estabelecem leis, mas desejam libertar o homem''. E define o gênio como ''a capacidade de um indivíduo se libertar das circunstâncias em que está enredado, a capacidade de sair do círculo vicioso. Podem dizer-me que não possuem este tipo de coragem.É esse exatamente o meu ponto de vista. A fim de descobrirem a vossa própria força, o poder que está dentro de vós, têm de estar dispostos a aceitar todos os tipos de experiência. E é isso precisamente o que vocês recusam fazer!''. Sobre a leitura, propriamente dita, Miller menciona as palavras de Gurdjieff- outro líder espiritual- tal como são citadas por seu discípulo Ouspenski: ''Se compreendes tudo o que leste na vida, agora já sabes do que andas à procura''. Para Henry Miller, ''devemos refletir vezes sem conta sobre esta afirmação, pois ela revela a verdadeira relação entre a vida e os livros. Ensina-nos como ler. Prova- a mim, pelo menos- algo que afirmei diversas vezes, ou seja, que a leitura de livros tem em vista o prazer da corroboração, e que essa é a descoberta decisiva que fazemos acerca deles. Quanto à verdadeira leitura- um processo que nunca tem fim- pode ser feita com tudo(...)Todo o universo terá então de se tornar como um livro aberto''. E menciona obras em que ''o drama só tem início quando o homem abre os olhos voluntariamente. Este ato, o único a que é possível atribuir um significado heróico, desloca todo o som e a fúria da substância histórica. Orientado para o exterior, o homem é finalmente capaz de olhar para o interior de bom grado e sem incerteza. Já sem olhar para a vida a partir do plano terreno, deixa de ser vítima do acaso ou das circunstâncias: ''opta'' por seguir a sua visão, por se tornar um todo com a imaginação. A partir deste momento, começa a viajar; e todas as viagens anteriores não passaram de circum-navegação''. Aos que acharem estas discussões parecidas com as que fazemos habitualmente neste blog, alertamos que não se trata de mera ''coincidência''. Aliás, os trechos mencionados foram escolhidos especialmente por mim, e nesta escolha são reveladas preferências temáticas deste que vos fala...O livro de Henry Miller não se esgota nesta conversa. Teremos oportunidade de, posteriormente, voltarmos ao tema, em especial referente aos livros...