quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Ladeiras...

Rio e Belo Horizonte tem um perímetro urbano, digamos assim, meio irregular As montanhas fazem parte do cenário local. No Rio não dá para andar livremente pelas mesmas, se é que vocês estão me entendendo...Mas em BH é possível, e ainda mais: é muito divertido ver todas aqueles morros integrados ao cenário local. Curitiba, o centro de Curitiba, é uma cidade plana. Talvez por isto, o pequeno declive próximo ao estádio do Atlético-PR é chamado, pomposamente, de ''Baixada'' ( só quem já esteve lá sabe que não é uma região como a Baixada Fluminense, e sim apenas uma área um pouco mais baixa que o resto...). Brasília, nas suas asas sul e norte, também tem pequenos declives. O suficiente para dizermos que, ao caminhar pela W3 Sul em sentido à Rodoviária, alguém está ''subindo a W3''. E São Paulo? São Paulo não tem morros no perímetro urbano. É possível- em vários lugares como a Barra Funda, a Avenida 23 de Maio, a Avenida Sumaré, entre outras- contemplar, ao fundo, as montanhas que circundam a capital paulista. Dentre elas o belo Parque da Serra da Cantareira, já mostrado em alguns filmes nacionais...Se São Paulo não tem propriamente montanhas, tem, em compensação, um relevo bastante interessante. O Estádio do Pacaembu, por exemplo, fica no fundo de um vale. Enquanto assistimos uma partida de futebol, podemos contemplar os inúmeros prédios ao redor e à distância, em um belo cenário. A Avenida Paulista, geográfica e mentalmente, é um divisor entre duas regiões da cidade: centro e Jardins. Ela e suas inúmeras torres de TV estão situadas numa das mais elevadas áreas da metrópole. Por estar no alto, quando nos encaminhamos para qualquer uma das duas regiões normalmente temos a clara sensação de que ''estamos descendo''. E para baixo, como diz o ditado, ''todo santo ajuda''. Em compensação, quando estamos em ''baixo''- onde estão situados vários restaurantes e supermercados- e precisamos voltar para a proximidade da Paulista, é necessário ''subir''. Imaginem o exercício que representa uma ''subida'' a pé, com várias sacolas de mercado na mão...Não há camisa que resista ao suor...E são apenas 10 minutinhos de subida! Certas ruas/alamedas, como a famosa Ministro Rocha Azevedo ou a Peixoto Gomide, ainda são mais íngremes- um verdadeiro ''teste para cardíaco''...Todos conhecem parte da topografia paulistana pela São Silvestre: costuma-se ''descer'' a Rua da Consolação, e a prova é geralmente decidida na ''subida'' da Avenida Brigadeiro Luís Antônio...Entre tantas descidas e subidas diárias acabamos nos acostumando a, em determinados momentos, chegar a lugares especiais de onde é possível contemplar toda uma região. Por isto, a região do Alto de Pinheiros possui uma praça chamada de Praça ''do pôr do sol''. Do alto da própria Vila Madalena também somos capazes de olhar para um imenso horizonte verde que nem parece fazer parte de uma das megalópoles mais poluídas do planeta...Este eterno ''sobe-desce'' paulistano assemelha-se às nossas existências, a não ser por um detalhe: ''descer'', na cidade, é gostoso- é como uma brincadeira- em comparação às inúmeras ''quedas''( quase nunca desejadas) que a vida, de graça, nos proporciona o tempo inteiro...Como está a ''sua'' ladeira? Você está suando, perdendo o fôlego para subir? Ou desce com a leveza de uma pluma? Melhor seria subir ''como um pássaro ou como um avião''? Sobe. Desce...

O fim, a neve, o éter...

Certas situações clássicas nos remetem ao fim: um problema grave de saúde, a visão de uma pessoa bastante idosa, um acidente de automóvel/ônibus/avião. Parece que nestas horas, principalmente nestas horas, nos damos conta de que a nossa permanência aqui tem data e hora para terminar. Não nos pergunte quando, que seja o mais distante possível, mas tem...A neve, para mim, tem um efeito um pouco diferente. Não conheço a neve pessoalmente, ''ao vivo'', falo do frio das imagens de cinema e TV que, exatamente pela distância e desconhecimento, assume ares de algo etéreo, ''imortal'', ''perfeito''. A neve- lembrar também que o gelo suspende o processo de decomposição dos corpos, servindo para conservar inúmeros seres bem antigos que já passaram por este pequeno planeta- remete à idéia de SUSPENSÃO do tempo. Nestas horas lembramos do personagem do filme ''Na Natureza Selvagem'', que tanto elogiamos neste blog, no momento em que ele atinge a sua ''meta'': chega ao Alaska. Toda aquela brancura espalhada pelo cenário inóspito parece surreal: temos a impressão de que aquilo está fora da realidade, do que conhecemos, o gelo- e o decorrente frio que emana de todos aqueles blocos de gelo- é tudo o que existe, ''desde sempre'', e nada mais há fora daquilo. O calor acelera, dá energia, alegra uma multidão de fiéis apreciadores do sol, e o frio congela. Congela as pessoas- que, dizem, envelhecem menos em lugares frios- e as lembranças. Justamente por nos remeter ao extremamente físico- à preocupação com o que é mais básico: a pura necessidade de sobrevivência- lugares gelados acabam, paradoxalmente, pelo estado de suspensão que provocam em todos nós, levando-nos também a algo além, ao infinito cósmico. Neles nos vemos como realmente somos: seres espirituais, infinitos, que não podem envelhecer ou morrer, que não podem ser atingidos por algo tão limitado quanto é o tempo e sua ação sobre os nossos corpos. Apenas um porém: mas o cosmo não é escuro como o éter? Como conciliar a extrema brancura do gelo com a ''escuridão'' infinita dos céus? Em nossas mentes embriagadas( êpa!)e extasiadas diante de tanta beleza e silêncio já não dá para distingüir entre uma coisa e outra. Brancura e escuridão se entrelaçam em inúmeras danças e jogos entre si, uma como o ''portal'' da outra, não importa, reflexos da dualidade deste mundo-tudo nos remetendo ao infinito...

Sucesso Duradouro...

Em uma época em que os filmes duram tanto quanto as pipocas consumidas durante sua exibição, é surpreendente que uma película continue a fazer sucesso UM ANO após a sua estréia. Este é o caso do filme francês, dirigido por Alain Resnais, ''Medos Privados em Lugares Públicos''. Acabei de assistí-lo, pela segunda vez. E não foi em uma das acanhadas salas do cine Belas Artes, um belo e tradicional cinema de rua da cidade de São Paulo( no cruzamento da Avenida Paulista com a Rua da Consolação). Foi em uma das duas maiores salas deste complexo cinematográfico, ocupada pela metade. O filme, a esta altura um filme ''velho'' - quase uma ''antigüidade'' pelos padrões do mercado- mostra as agruras de um grupo de ''solteirões'' em Paris. Um casal procura um apartamento de 3 cômodos para morar, sendo que um destes quartos será destinado ao ''estúdio'' de trabalho do homem. Detalhe: ele é um ex-militar desempregado...E, não só por isto, a relação dos dois vai mal...Um corretor imobiliário que se interessa por uma colega de trabalho...crente radical...A crente que toma conta de idosos que a maltratam, e ela aguenta tudo com sua atitude ''cristã'' de ''oferecer a outra face''...A irmã do corretor e seu grupo de amigas, que se reúnem em cafés para fofocar e sonhar com o ''homem ideal''. Ela própria já marcou diversos encontros com desconhecidos, que nunca correspondem aos padrões descritos nas revistas especializadas...O filme mostra os problemas e dá esperanças, cruza alguns destes personagens. Mas não ''resolve'' as coisas, ao modo americano ( final feliz, etc.). Então é ''triste''? Talvez. Mas nos oferece boas oportunidades para gargalhar...Tudo é muito sutil, à ''maneira francesa'' de narrar uma estória. Durante toda a exibição Resnais mostra a belíssima neve caindo ao fundo da tela, em um inverno sem fim. Provavelmente uma metáfora relacionada à difícil situação dos personagens...Ao final a pequena multidão deixa a sala em silêncio, não sabemos se em reverência diante da obra-prima apresentada ou se incomodada pelas situações abordadas neste filme( solidão, incomunicabilidade). Poderia ser em Paris como em São Paulo. O sucesso de ''Medos Privados em Lugares Públicos'' aponta que, ao menos aqui em São Paulo, o que é mostrado tem uma profunda relação com a realidade de inúmeras pessoas. ''Solidão na cidade grande'', o antigo tema paradoxal que, aqui pelo menos, tem público constante e cativo...