Confesso que não li a famosa obra do escritor português José Saramago. Ou qualquer um de seus outros livros. Nenhuma implicância. Só não li, ainda. Por isto, meus comentários sobre o filme recém-lançado do diretor Fernando Meirelles não podem conter qualquer espécie de comparação- método clássico da crítica- entre a obra literária e a cinematográfica. Assisti ''Blindness'', por isto mesmo, meio ''às cegas'' ( desculpem a piadinha infame, mas há vários exemplos de ''humor negro'' na película, entre eles uma brincadeirinha com o cantor norte-americano Stevie Wonder...). O filme não é fácil. Evitem-no em dias difíceis. Óbvio, uma vez que a estória já foi comentada inúmeras vezes em diversos ensaios e agora nas matérias de imprensa sobre o filme, seria falar que se trata de uma estória sobre uma epidemia de cegueira. Na metrópole do filme( indisfarçavelmente São Paulo: com as cenas gravadas na Drogaria Onofre da esquina da Rua Pamplona com a Avenida Paulista, a referência ao luxuoso hotel Emiliano e as cenas de apressados ''motoboys que arrancam no sinal verde, quase atropelando um pedestre que ainda estava na faixa...), um a um os seus habitantes vão perdendo a visão. Mas não é uma cegueira clássica- aquela em que há uma escuridão completa- e sim uma cegueira em que só se vê uma luz branca no lugar de tudo...O filme, cena após cena, assemelha-se à descida ao inferno de Dante Alighieri. Primeiro o Governo trata de tranqüilizar a população, enquanto os enfermos são instalados em hospitais- sob quarentena. Depois, com a multiplicação dos casos de cegueira, dá-se o pânico, e os locais são definitivamente isolados, como em campos de concentração. Dentro, as pessoas dedicam-se às piores baixarias- como é comum em situações extremas. Um grupo se apodera dos poucos víveres, e aproveita-se do fato- e da posse de uma arma- para chantagear os demais ''internos''. As cenas, incluindo estupros, são fortes. Porém, em meio a tudo isto, também presenciamos comportamentos da mais alta nobreza. De solidariedade, de sacrifício, de amor. Há uma expectativa de redenção. A ''cegueira''( ou barbárie), só em alguns é completa. Alguém não perde a visão, nem a dentro nem a de fora, e acaba se tornando a líder de um grupo de pessoas. As cenas de uma metrópole esfacelada e do caos reinante não ficam a dever em nada aos filmes estrangeiros. Talvez por isto Meirelles tenha optado por diálogos em inglês, com legendas em português. É um filme para exportação...Saindo dali, ainda impactado por tantas cenas com uma forte luz branca, olhei para o céu e, em um dia frio típico de inverno com temperaturas na faixa dos 14/12 graus, tudo estava meio enevoado. Em síntese, branco...Aquelas antenas altas todas da região da Paulista estavam cobertas por uma forte névoa, em um cenário raro e surreal...Filme e cenário ''real'' se juntaram para me dar esta impressão de que ainda não havia saído da fantástica estória. Estaríamos todos, a esta altura, igualmente ''cegos''? Na vida, ao contrário dos filmes, é mais difícil apontar uma ''saída''...
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