Este dado surpreendente foi revelado, como todos devem saber, por uma recente pesquisa da Fundação Getúlio Vargas. Segundo o critério utilizado, para ser membro da ''classe média'', no Brasil, basta auferir rendimentos entre MIL e quatro mil e quinhentos reais. Elástico este conceito, não? Mil e trezentos DÓLARES é a ''linha da pobreza'' nos Estados Unidos: abaixo disto é miséria mesmo...Na Argentina, para ser de classe média, é preciso ganhar no mínimo dois mil reais. No Brasil o critério é este, e segundo o critério da pesquisa apontada, 52% dos brasileiros já estão na classe média. Somos um país de classe média! Eu não acredito nisto, diga-se de passagem, nem as pessoas da periferia entrevistadas por alguns jornais: ''inacreditável'', ''ridículo'', ''sem pé nem cabeça'' ,foi o que ELAS disseram, espantadas...Algumas até ganhavam mais do que o valor mínimo apontado. Algo entre 2 mil e 3 mil reais. E, morando em um subúrbio distante, sem o menor apoio do Poder Público, acossadas pelo crime, sem condições de fazer coisas que são consideradas habitualmente como atividades de classe média( comer fora, ir ao shopping, freqüentar cinemas, etc.), estas pessoas se sentiram insultadas. Quem sou eu para contradizê-las? Os conceitos de classe são um pouco mais complexos do que o fator econômico. Vejamos a ''pirataria''- hoje sinônimo de indústria das cópias, falsificações. O conceito clássico de ''pirata'' referia-se a navegadores que, sem bandeiras que os ligassem a reinos ou nações, dedicavam-se a singelas atividades como assassinatos e pilhagens. Ladrões e bandidos, entenda-se, atuando em alto mar...Por mais rico que fosse, jamais um pirata ou ex-pirata poderia se igualar à nobreza, entrar no seu meio. A aristocracia, mais do que um conceito econômico, era um modo de vida, uma maneira de pensar e existir. Copiava-se os nobres e os aristocratas, uma vez que eles eram referência no que se refere a maneiras e bom gosto. Hoje, para nosso desprazer, as coisas estão muito mais misturadas. Com a proliferação de ''novos ricos'', a aristocracia- embora continue a existir- fechou-se a quatro portas. Podemos, quiçá, identificá-los em algum lugar público( shopping, restaurante cinco estrelas): eles estarão falando em viagens a Aspen, no Colorado( EUA), a Paris e a algum lugar exótico no Oriente como nós falamos em ''viagens'' para a Baixada Santista...Eles costumam freqüentar os mesmos lugares( clubes, Jockey Clube, Academias seletas), e conhecem bem uns aos outros. Embora a situação atual mais pareça um Faroeste, em que marginais de diversas espécies dedicam-se diuturnamente a uma constante caça ao ''butim'', caça ao ouro como se este fosse capaz de camuflar as suas maldades e perversidades, um Fernandinho Beira-Mar ou um Abadia- bem como diversos de nossos políticos- JAMAIS farão parte da chamada ''classe A''...Não tem cacife para isto. Não é simplesmente o dinheiro que caracteriza a nobreza: mesmo tendo seus bens expropriados pelos bolcheviques após a Revolução Russa, os nobres daquele país constituíram comunidades de refugiados no exílio europeu que se apoiavam mutuamente. Um ''Comissário do Povo'' na recém-criada União Soviética, embora vivendo nababescamente em meio aos palácios, quadros e objetos de valor confiscados, jamais conseguiu emparelhar-se ao mais empobrecido dos nobres. Exagero? De onde vem o ditado ''quem foi Rei nunca perde a majestade''? Voltemos à atualidade. Alguém pode enriquecer subitamente, pelos mais diversos meios- lícitos ou não. Esta pessoa pode até mesmo adquirir os bens, a mansão de uma antiga família de aristocratas subitamente empobrecida. Mergulhar em sua piscina. Dormir em suas camas. Sentir a maciez de seus travesseiros, enquanto fuma um charuto qualquer para dar um ''ar'' de seriedade às suas ações. Mas o que é a aristocracia? Seria apenas possuir um bocado de dinheiro? Não é simples copiar as ações e hábitos de um grupo que representa a História. Que herda não apenas os bens de seus pais- objetos que, embora valiosos, são dispensáveis, substituíveis- mas também um ''jeito de ser'' e viver. O aristocrata de hoje é filho do de ontem, e neto do que antecedeu o seu pai no mesmo meio...Talvez isto tudo soe romântico, saudosista. Vamos nos limitar, exemplificativamente, apenas ao conceito de ''classe média'', objeto deste post. Um conceito tradicionalmente fluido, indefinido. Um professor, embora mal remunerado, sempre pareceu muito mais classe média do que o motorista de uma ''van'' que se dedica ao chamado ''transporte alternativo'' nos grandes centros, ou um camelô...Ser de classe média, embora esteja ligado também à posse de um determinado nível financeiro, requer também um fator cultural. Estamos todos muito eufóricos com o retorno ao crescimento econômico consistente do Brasil, após anos de estagnação. Milhões de pessoas tornaram-se consumidoras de uma hora para outra. Felizes, as pessoas percebem que, com a inflação baixa, podem fazer compras a perder de vista. E vão enchendo suas casas de aparelhos que, em outros tempos, seriam inacessíveis aos mais pobres: televisores, computadores, geladeiras, fornos micro-ondas, máquinas de lavar roupa. Isto é muito bom. Quiçá o nosso crescimento seja ainda maior, e duradouro, a ponto de que todos os brasileiros possam fazer isto algum dia. Porém o ''nó'' de tudo isto, o ponto que nos separa não de países do chamado ''Primeiro Mundo'' mas de outros que começaram no mesmo nível em que estamos mas podem ser chamados hoje, tranqüila e inapelavelmente, de ''nações de classe média'' ( caso da Coréia do Sul) é a Educação. Sem a Educação, sem um ensino de qualidade, continuaremos a ser ''bárbaros'' bem vestidos, nutridos, mas ainda assim ''bárbaros''. As pessoas entrevistadas na periferia, que rejeitaram prontamente o fato de economicamente serem classificadas como ''classe média'', conhecem muito mais o que falta para atingirem este padrão( e modo de vida, existencial, mental)do que os institutos de pesquisa. Não nos iludamos. Ainda falta muito para nos tornarmos, como é desejável, uma nação de pessoas bem nutridas, vestidas- com residências confortáveis, seguras- com acesso à Internet, mas sobretudo, acima de tudo, LEITORAS. Capazes de ler e compreender textos, consumidoras de bons livros, peças de teatro, filmes. Que saibam, porque são bem educadas, identificar as falácias e mentiras dos políticos que elas costumavam eleger. Educação não é sinônimo de ''classe média'', ressalve-se. Ignorância não é privilégio nem exclusividade dos mais pobres. Diversas pessoas formalmente ''pobres'' tem um jeito de ser muito mais elevado do que o de vários ''ricos'' que andam circulando por aí...Educar, educar-se, educar-nos para ler e saber CONVIVER junto aos nossos semelhantes de maneira civilizada, é a principal, e ainda desprestigiada e relegada a segundo plano, tarefa de uma nação que pretende crescer, atingir os mais elevados níveis. Não nos enganemos: o Brasil , por mais que cresça economicamente, ainda está longe de atingir o padrão ''classe média'' das nações...Por que não COPIAR - já que a moda é esta atualmente no mundo da produção- o que está dando certo na Coréia do Sul e na Finlândia?
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