domingo, 10 de agosto de 2008

Em busca de um ''lugar ao sol'' na fervente São Paulo cultural...

''Lugar ao sol'', vocês sabem, é mera força de expressão. Chove desde quinta-feira, e a temperatura média está- no meio da tarde- em torno de 15/16 graus. Mas comprei sexta-feira um ingresso para a peça de teatro ''Literatura Contemporânea'', de Fernando Bonassi( horário de exibição: 20 h de sábado), e pretendia completar o programa assistindo o filme ''Lemon Tree'', outra estréia deste fim-de-semana. Almoço na Avanhandava, vendo a chuva cair lá fora e pessoas passando com casacos de frio é cachecóis( os mais exagerados...). Saio do restaurante quase 4 da tarde, e vou andando pela Rua Augusta até chegar á Paulista. Tenho de escolher entre os cinemas Belas Artes e Reserva Cultural. Decido pelo último, pela possibilidade de fazer um ''programa casado'' com a Fnac. Compro o ingresso, para 5 e meia, e fico fazendo hora na loja que é um misto de livraria com produtos eletrônicos. Já foi inaugurado um ''corner'' com produtos exclusivos da Apple, bastante concorrido. Olho para os Ipods todos, sonhando com mais uma queda de preço...Saio da loja com antecedência para o horário do filme, sonhando em comer algum doce no Starbucks. Chove forte. Abro meu guarda-chuva. Ao entrar no café, percebo que há uma fila imensa, e todos os lugares estão ocupados. Desisto imediatamente...Vou para o cinema sem comer nada...Para falarmos do filme ''Lemon Tree'', é preciso informar previamente que há um ''Festival do Cinema Judaico'' em cartaz, mais um fato a agitar a semana cultural paulistana. Este filme foi exibido no Festival,e agora estréia no circuito aberto. As ''amostras'' que assisti do Festival Judaico foram muito boas, e mostram uma não usual abertura de pensamento do povo hebreu: em ''O Pequeno Traidor'', baseado em romance do escritor israelense Amos Oz, um garotinho de 11 anos, ''membro da resistência'' judaica contra a presença dos soldados ingleses na Palestina, vê seus ideais colocados em cheque quando faz amizade com um soldado ''inimigo''( eis um belo filme contra o fanatismo); já o filme francês ''Má Fé'' mostra uma difícil relação entre uma judia, que espera um filho, e um filho de palestinos, ambos morando em Paris( a película traz imagens, na TV, de comunidades livres habitadas por judeus e por palestinos na Cisjordânia...). Ela revela aos pais o relacionamento, e o fato de que também espera uma criança. A mãe ''passa mal'' e deixa a mesa...Ele esconde da máe, muçulmana, o fato de estar se relacionando com uma judia...Brigam também por causa do nome do bebê, que ele deseja ser o mesmo de seu pai muçulmano radical...Eis outro filme que mostra todas as intolerâncias, e a dificuldade de junção entre ''opostos''. ''Lemon Tree'' é outro filme da Mostra. Também foi feito para comemorar o aniversário do Estado de Israel. Também foi patrocinado com verbas do Estado judaico. O que torna tudo mais estranho...A estória é sobre um Ministro da Defesa de Israel que decide morar próximo à fronteira com os palestinos. Ao lado de sua mansão, há uma plantação de limoeiros de propriedade de uma mulher palestina que herdou tudo de seu avô. Após instalar-se com todos os seus seguranças, muros, câmeras e guaritas, o Ministro percebe que a humilde plantação de limões é uma ''ameaça'' á sua segurança. Dali ''poderiam ser iniciados atentados contra a sua casa''...''Generosamente'' os judeus propõem retirar a mulher palestina dali, oferecendo uma indenização. Ela recorre a todas as vias, inclusive à ''Justiça Militar'' ( entre aspas mesmo, como se militares fossem capazes de julgar com isenção questões referentes aos civis...)israelense, sempre sem sucesso. Após chegar à última instância da Justiça Comum, sem nenhum resultado, e assessorada por um jovem advogado recém-chegado da Rússia, ela opta por entrar com um apelo na Corte Suprema de Israel...Como retaliação, os seguranças do Ministro da Defesa cercam toda a sua plantação de limões, e a impedem de continuar a cultivá-los...Ela não obedece. Continua a, sorrateiramente, ver como estão os seus cada vez mais secos limões. A briga jurídica continua, mas a briga pelo cultivo da terra parece cada vez mais difícil em meio a todo o conflito. Para ''complicar'', ela vai se envolvendo com o jovem advogado palestino- com cerca de metade da idade dela...Não vou contar o final. Apenas menciono, de passagem, a frase do advogado ao final do processo: ''finais felizes só mesmo em filmes americanos''. O filme é bastante forte, impactante. E produzido pelo Instituto de Cinema de Israel...Isto sim é cultura: cultura é saber rir de si mesmo, das suas próprias insãnias e erros. Enquanto isto, este espírito de questionamento e abertura, permanecer, a cultura judaica( saliento: não sou judeu, nem filho de judeus, sequer conheço alguém desta comunidade; assisti os filmes citados por amor à ''sétima arte...)continuará viva. Muito mais viva do que a dos vários adversários que buscaram, em vão, ''eliminá-la''...Terminado o filme eu saí às pressas rumo ao teatro. Antes uma nova passada no café norte-americano mencionado. Continua cheio, mas a fila é menor. Consigo um lugar recém-abandonado por seus ocupantes. Dá tempo de tomar um chocolate quente e comer um sanduíche de queijo, junto com uma barrinha de côco com doce de leite...Faltam 15 minutos para a peça...Ando apressadamente. São 10 minutos de caminhada até a Unidade Sesc Provisória da Avenida Paulista. Lá, a peça será exibida no décimo terceiro andar. Subimos de elevador...Por que faço tanta questão de assistir esta peça? Pelo nome- ''Literatura Contemporânea- vocês já devem ter alguma idéia...A montagem mostra, em breves porém densos 60 minutos, as agruras de um personagem que não tem nome. Refere-se a si próprio como ''escritor contemporâneo''. Em um cenário simples( uma cadeira, uma corda, uma parede em branco onde ele vai escrevendo letras a pedido da platéia, uma lata de tinta)ele desfila as suas misérias: quem sustenta a casa do ''escritor contemporâneo'' é a mulher, que tem um emprego ''de verdade''; ele, mal pago e frustrado por vender ''centenas e não milhões de suas obras'', é obrigado a fazer contorcionismos para manter sua coluna diária na imprensa. Como criar algo, se não se vive de verdade? De que é feita esta ''sua'' criação, recheada de palavras alheias de outros mais célebres escritores? Este ser ''desajustado'' anseia por uma vida ''normal'', ele que tem uma existência que poderia parecer ''invejavel'' a muitos profissionais de escritório...A peça não é fácil. Não tem ''apelo comercial''. Não tem outros atores contracenando: é um simples monólogo. Parece mais um desabafo. Atraiu para os poucos lugares do teatro uma platéia que não chega a preencher os mesmos, mas mostra uma grande simpatia pelos temas que são discutidos ali. Ainda impactado por esta encenação, desço o elevador para constatar lá embaixo, e já a bons metros de distância, que havia esquecido o meu guarda-chuva. Começa a chover, e eu procuro a próxima estação de metrô. Esta noite chuvosa, fria, alguém poderia pensar que eu poderia fazer um paralelo entre isto- esta situação habitualmente tida como ''triste''- e a dura vida de escritor da imprensa diária, ''paga''. Enganam-se. É apenas o final de mais um ''sábado cultural'': a única ''frustração''- comum a quem vive nestes lugares, e tem de escolher entre centenas de programas igualmente válidos e interessantes- é não poder ver tudo, ter tudo. Se você puder acostumar-se a esta ''frustração'', e ainda puder ''gabar-se'' perante os amigos por viver em uma cidade que possui quase 300 cinemas e cerca de 100 peças de teatro sendo exibidas( esconda o fato de que, neste dia, você ''só'' poderá assistir, na melhor das hipóteses, um ou dois filmes e uma peça...), então este será o lugar perfeito, o momento perfeito e, após passar na banca para comprar os jornais de ''amanhã''( domingo), mais um dia se encerra...

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