Segundo o jornal ''O Estado de São Paulo'' de ontem( terça-feira, 23 de junho), ''o presidente francês Nicolas Sarkozy, anunciou seu apoio aos parlamentares que pretendem proibir o uso da burca e do chador, os véus com os quais as mulheres muçulmanas se cobrem da cabeça aos pés, na França. A proposta, defendida na Assembléia Nacional por um grupo de deputados do governo e da oposição( nosso grifo)desde a semana passada, vem criando controvérsia entre políticos, religiosos e acadêmicos na França. Para Sarkozy, os trajes islâmicos não são uma questão de religião, mas de igualdade entre homens e mulheres''. Sarkozy, ainda de acordo com o ''Estadão''- quebrando uma tradição que vem desde o distante ano de 1851 de Presidentes da República não discursarem perante o Parlamento- falou sobre diversos assuntos, tais como a crise econômica e a necessidade de reforma da administração pública, ''mas dedicou grande parte dos 45 minutos de discurso à defesa do Estado laico- a separação entre Estado e religiões, um dos valores fundamentais da República Francesa''. Com a ressalva de que não existem respostas prontas e rápidas para esta questão espinhosa, é exatamente sobre isto que decidi dedicar algumas linhas. Descarto, de imediato, soluções simplistas que partem de premissas extremadas. Uma delas, a de que a proposta seria absurda porque Sarkozy é o ''símbolo da direita francesa''. A outra- mais sofisticada, embasada no pensamento ''politicamente correto'' e no chamado ''relativismo cultural''( segundo o qual, mesmo que uma prática seja absurda ela deve ser respeitada por ''fazer parte da tradição de um determinado povo'')vê na iniciativa dos parlamentares franceses ''mais um ataque contra os imigrantes muçulmanos''. Descartamos ainda o oposto, que seria o apoio entusiástico exatamente por estes mesmos motivos- com base em teorias de supremacia de raça, etc. Mas o debate é bom, e veio em hora certa. A resposta pronta e ''correta'', repetimos, não existe. Decidimos amparar a nossa própria resposta sobre este tema polêmico fazendo algumas comparações, e dando alguns exemplos. O regime democrático não representa, em primeiro lugar, a ''abertura para todas as formas de expressão e pensamento''. Como lidar com grupos extremistas que defendem a criação de um Estado Nazista? Ou com militantes e partidos que pregam a extinção desta mesma democracia e o estabelecimento de um ''governo popular'' fundado na ponta das baionetas? A Justiça brasileira depara-se cada vez mais com questões deste gênero. Recentemente, no Paraná, um casal de militantes neonazistas foi assassinado em decorrência da disputa entre duas correntes pelo poder interno deste movimento...Bom, mas alguém lembraria neste momento que o uso do véu pelas mulheres está longe de representar algo ''subversivo'' ou ''totalitário'' por si só. Não seria apenas mais uma forma diferente de ''livre expressão''? E, além disto, onde ficaria a liberdade religiosa? Afirmei, algumas linhas atrás, que faria comparações. Eis a que veio em primeiro lugar à minha mente: se o uso da ''burka'' e do ''chador'' é apenas o simples exercício da liberdade religiosa garantida por todos os regimes democráticos dignos deste nome, também é razoável que- nos países muçulmanos- haja liberdade para os partidários de outras religiões e até mesmo dos ateus, não é mesmo? Seria isto o que ocorre atualmente no Irã, no Paquistão, na Arábia Saudita e demais países de predominância da religião muçulmana? Mas não paremos por aqui. Pensamos também no dia não muito distante em que a França, assim como qualquer outro país da Europa, tenha uma maioria de adeptos da religião muçulmana. Será que ,neste momento, esta maioria de usuários do véu estará preparada para conviver com uma minoria de adeptos do catolicismo, do hinduísmo, do budismo, ou de pessoas sem nenhuma religião? A resposta a esta questão ainda é incerta, mas já nos causa calafrios...''O que você tem a ver com forma como estes homens e mulheres praticam a sua própria religião'', alguém poderia replicar, desconfortável com toda esta discussão ''distante'' e supostamente ''abstrata''( em outras palavras: ''o que é que eu, leitor, tenho a ver com tudo isto?''). Peço paciência para expor aqui o último de meus argumentos. Se o uso de trajes muçulmanos deve ser garantido na França, assim também deveria ser a atitude para com práticas ''próprias de outros países''( principal argumento dos ''relativistas culturais''), tais como a mutilação de algumas mulheres africanas que tem os seus hímens extirpados por suas tribos, não é mesmo? Em nome de que aceitaríamos estas práticas repulsivas e medievais? ''Isto é coisa deles, não podemos intervir''. Estaria aberta a porta para a generalização de práticas ''comuns e aceitáveis em outros países e regiões do globo'', incluindo o canibalismo...Concluindo, não nos posicionamos contra o uso da ''burka'' e do ''chador'' por estes serem diferentes. Porém, assim como canibais, adeptos de religiões que aceitam a poligamia, usuários de substâncias entorpecentes e extremistas de esquerda e de direita devem todos obediência às leis nacionais, é preciso que fique bem claro que também as religiões- sejam quais forem- só são dignas de usufruir da maior liberdade se forem capazes de conviver com seus opositores. O Estado francês, assim como o brasileiro, é laico- ou seja, não é partidário de qualquer religião, e existe para garantir a livre expressão de todas. E garantir o frágil equilíbrio entre forças tão diferentes e complexas, típico de um regime democrático, é também estabelecer restrições para que esta ordem não pereça diante de posições mais extremadas. A democracia pode se defender ou não diante de ameaças extremistas?, eis o pano de fundo deste debate... Sem querer encerrar o assunto, este é só um convite preliminar para que discutamos todos o uso ou não da ''burka''. Pelo menos este direito- o de uma discussão livre e franca- deve ser garantido aos não-usuários desta parafernália...Alcnol.
Nenhum comentário:
Postar um comentário