A manchete do jornal paranaense ''Gazeta do Povo'' do último dia 23 de junho é enganosa: ''Para STJ, pagar por sexo com criança não é crime''. Adiante, no corpo da matéria, diz-se que ''dois homens contrataram adolescentes para manter relações sexuais''. O detalhe parece bobagem, irrelevância, mas não é. O Estatudo da Criança e da Adolescência( ECA)considera o marco divisório entre a criança e a adolescência a idade de 12 anos. Mesmo que um indivíduo cometa o pior dos delitos, mas não tenha sequer esta idade, não será punido de forma alguma. A partir dos 12 anos, pode ser submetido às medidas ''sócio-educativas'' previstas no ECA, que incluem até mesmo a internação por um período máximo de 3 anos( medida reavaliada obrigatoriamente a cada 6 meses). Já o nosso Código Penal Brasileiro, prevê que sexo com menores de 14 anos é presumido como estupro- uma vez que estas pessoas seriam incapazes de manifestar a sua vontade de modo livre. Mas o Supremo Tribunal Federal( STF), em corajosa e inédita decisão do Ministro Marco Aurélio Mello, decidiu não aplicar a ''letra fria da lei'' em um caso em que a menor- com aparência de mais velha- teria enganado o seu consorte...Isto é aplicar o Direito: não existem ''fórmulas'' simples disponíveis para todo e qualquer caso. Há que se examinar muito bem as circunstâncias, para evitar injustiças. Voltando a este julgamento recente do STJ, as reações contrárias foram as mais variadas possíveis. Ainda há pouco, uma Promotora de Justiça manifestou-se em um canal de notícias- Globonews- fortemente contrária a esta decisão ''absurda''. Para alguns juristas, segundo a matéria do ''Gazeta do Povo'', ''a deliberação é tão equivocada que chega a ser ''absurda''. O artigo 244-A do Estatuto da Criança e do Adolescente é claro ao afirmar que exploração sexual ( nosso grifo)infantil é crime''. Uma especialista, Neide Castanha, pesquisadora e presidente do Comitê de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, ressaltou que ''colocar o cliente como não responsável pela exploração é um pensamento que viola direitos humanos e aumenta a impunidade. É um grande retrocesso''( ''Gazeta do Povo'', 23/6). Como se vê, o tema é bastante polêmico, despertando reações emocionais de indignação. Vejamos o outro lado. Qual foi a fundamentação do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, onde a matéria foi julgada originariamente( chegando, em grau de recurso, ao STJ): o mesmo periódico informou-nos que, de acordo com o Juiz estadual que proferiu a sentença, ''a prostituição é uma profissão tão antiga que é considerada no meio social apenas um desregramento moral, mas jamais uma ilegalidade penal''. O magistrado, bem como o Superior Tribunal de Justiça posteriormente, levou em conta o fato de que as relações mantidas com as adolescentes foram ''ocasionais'', ''episódicas'', não permanentes. Aliás, é preciso discutir com precisão o que significa o termo ''exploração sexual''. A prostituição, como disse este magistrado do Mato Grosso do Sul, não é proibida no Brasil. Vedada é a cafetinagem, a exploração econômica das mulheres e adolescentes que se prostituem. A cobrança de ''comissões'' e o fornecimento de ''hospedagem'' e quartos para a ''mais antiga das profissões''...A questão é tão complexa, que recentemente um canal de TV fez uma reportagem sobre meninas que se prostituem na CEASA aqui de São Paulo. Elas circulam pelo lugar, com roupas provocantes, oferecendo seus ''serviços'' para os trabalhadores daquele estabelecimento. Expostas as duas posições sobre a questão, revelo qual é a minha- sempre com a ressalva de que este tema merece ser muito discutido ainda, e não tenho a pretensão de dar a ''palavra final''. Os estudiosos do Direito Penal costumam afirmar que este se caracteriza pela ''fragmentariedade''( um de seus princípios), ou seja, o Direito Penal não é nem pretende ser o ''remédio mágico'' para todos os problemas. O mais apropriado é utilizar-se punições derivadas do Direito Civil, do Administrativo, do Tributário, etc., pois- em função do duro caráter de suas penas, que envolvem até mesmo a privação de liberdade- o Direito Penal deve ser aplicado subsidiariamente, ''ultima ratio''( em último caso). Deste modo, criminalizar condutas como a dos clientes destas prostitutas adolescentes do Mato Grosso do Sul- amplamente praticadas e aceitas pelo país afora- significaria, ao contrário do que entendem os penalistas, condenar milhares, até mesmo milhões de pessoas( muitas oriundas das camadas mais pobres da população)por este ''crime''. Medida que seria, aliás, de pouca eficácia: os presídios brasileiros, não é de hoje, estão superlotados, faltam ''vagas''...''Mas algo deve ser feito contra a exploração sexual de adolescentes'', já ouço as vozes em contrário. Sim, mas esta não é uma tarefa do Direito Penal. Mais do que buscar ''culpados''- algo tão comum neste país- melhor seria que o Estado e as organizações de assistência buscassem amparar estas menores, muitas delas arrimo de família, preparando-as para que pudessem sair das ruas e da prostituição. ''Sem oferta não há demanda'', diz o ditado econômico. Melhor fazer um mutirão para dar condições dignas de existência para milhões de pessoas que ''não tem onde cair mortas'' do que lutar por leis ainda mais duras que, sabidamente, não ''pegam''...A decisão do STJ, como se vê pelas linhas acima, não é tão ''absurda'' assim...Alcnol.
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