No post anterior de mesmo nome, discorremos um pouco sobre o filme ''Budapeste'', recém-entrado em cartaz. E, mui oportunamente, a Editora José Olympio acaba de lançar uma interessante obra do historiador John Lukacs que mostra a época áurea daquela metrópole húngara: ''Budapeste 1900''. Uma vez que o lançamento do livro esta umbilicalmente ligado ao filme( ocorreu na mesma época), decidimos batizar este post como ''Budapeste-II''( uma espécie de ''continuação'' do filme, para quem quiser se aprofundar um pouco mais...). Caso não encerremos a discussão do livro neste post, o próximo se chamará ''Budapeste- III'', e assim por diante...A Budapeste do final do século XIX e começo do século XX, além de forte no plano cultural, era também cenário de várias iniciativas de vanguarda no campo das construções: é assim que, segundo o escritor John Lukacs, ''embaixo, em um túnel quadrado, passou a primeira linha de metrô subterrânea da Europa, concluída em 1896, com seus vagões amarelos confortáveis e um inimitável cheiro de madeira envernizada e do ozônio da eletricidade de corrente contínua. ( Talvez seja sintomático, embora certamente acidental, que seus terminais se situassem perto da confeitaria mais famosa de Budapeste, a Gerbeaud's, na parte central, e de um restaurante muito conhecido, próximo ao Zôo no Parque da Cidade. Os vagões originais dessa Linha Subterrânea Francisco José perduraram por oitenta anos; a Gerbeaud's ainda existe)''( página 62). Além disto, acrescenta Lukacs em outro trecho, ''quando o Parlamento de Imre Steindl foi concluído, em 1902, era o maior edifício de Parlamento do mundo(...)Possuía nada menos do que 27 portões; 42 quilos de ouro de 22 quilates foram utilizados em sua decoração''( página 69). Uma peculiarida de capital húngara era o fato de que, ao contrário de outros grandes centros, ''os ajuntamentos de pessoas aconteciam dentro das casas e não nas ruas, era interior ao invés de exterior. Exceto alguns passeios públicos, as pessoas permaneciam a maior parte do tempo dentro dos edifícios''( página 72). Certamente a fria temperatura que fazia em Budapeste durante boa parte do ano também não contribuía para maiores arroubos no plano externo...Uma crescente politização acompanhava este crescimento da cidade. É assim que, ''por volta de 1900, a política do Parlamento tinha se tornado um esporte nacional(...)as pessoas acompanhavam a política dos partidos e a cena parlamentar com muito mais interesse que antes. O Parlamento desempenhou, no interesse público, o papel que, mais tarde, foi assumido pelo entretenimento nos teatros, depois como espectador de esportes. Era o centro da atenção(...)no que diz respeito à popularidade(...), alguns dos membros do Parlamento foram precursores dos astros de cinema''( frase do historiador de literatura húngara Antal Szerb)( página 136). Infelizmente, assim como para nós, brasileiros, ''no discurso público, e não no privado, o elemento sóbrio e racional na mente húngara- e a concisão da linguagem- tende a ser esmagado pela intoxicação da retórica''( página 137). Na parte cultural, que é o que mais nos interessa aqui, importante exemplo da rigidez dos húngaros daquela época era a ''antecipação da perspectiva do exame final e rigoroso da ''matura''( ou ''baccalauréat'', semelhante ao exame de vestibular(, na idade de 17 ou 18 anos, quando durante algumas horas em dois dias tinham que explicar praticamente tudo que haviam aprendido em seus anos de liceu. Esses exames aconteciam no começo de junho: às vezes, durante a semana anterior, havia suicídios de estudantes''( página 178). Em compensação, ''em parte, mas somente em parte, por causa das escolas, Budapeste em 1900 tinha um imenso respeito por qualquer tipo de realização intelectual''(página 179)''em 1900 os escritores em Budapeste ganhavam pouco: mas a sua reputação era imensa. Homens os invejavam e mulheres os admiravam''( página 180). A grande quantidade de cafeterias- cerca de 600 em 1900- certamente contribuía para este grande apogeu cultural da efervescente capital européia...''Algumas'', ressalta Lukacs, ''ficavam abertas durante 24 horas, e outras durante os 365 dias do ano. Em 1900 muitas cafeterias serviam uma grande variedade de pratos, a qualquer hora do dia''( página 182)(...)''Algumas cafeterias ofereciam música( algumas tinham até orquestras ou bandas ciganas); mas, ao contrário dos ''orpheums'', não se dançava. Eram baratas. Era possível se sentar e ficar por horas com uma xícara de café, com um copo de água gelada, que um garçom estava sempre enchendo, e aproveitar a variedade de jornais locais e estrangeiros pendurados em suportes de bambu. Podia-se enviar ou receber cartas e mensagens nas cafeterias. Papel, caneta e tinta grátis estavam disponíveis. Nesse aspecto, a cafeteria em Budapeste era mais um clube que um pub(...)Artigos inteiros de jornais, às vezes contos, capítulos de um romance e uma grande parte de crítica de teatro eram compostos nas mesas apinhadas de gente nas barulhentas cafeterias de Budapeste''( páginas 183/184). Para culminar todo este clima de incessante criação nas artes e na cultura, a cidade de Budapeste possuía, por volta de 1900, cerca de 22 jornais diários( número maior do que em Viena, a capital do Império Austro-Húngaro). Para que tantas informações sobre uma cidade distante, de uma época que já passou? Este é o verdadeiro pano-de-fundo do filme ''Budapeste''. Esta é a riquíssima herança cultural do povo húngaro, que sobreviveu a duas grandes guerras e à ocupação pelos comunistas- que implantaram um regime subserviente a Moscou. A Budapeste que enxergamos fascinados no filme- com a sua ponte que liga as duas metades da cidade, os seus bondes imponentes em circulação, seus escritores em ação e o debate cultural também mostrados na película- tudo isto teve origem nesta maravilhosa época histórica mostrada com tanta competência por John Lukacs. Aos que estiverem sedentos de mais informações sobre a bela capital húngara, o livro supre plenamente a sua curiosidade...Alcnol. PS: Todos os trechos destacados o foram por nós, para enfatizar as informações mostradas...
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