Confesso não ter o menor interesse nas especulações sobre o Oscar. Passo batido pelas transmissões anuais desta festa e, além disto, jamais escolhi assistir qualquer filme por estar ''cotado ao Oscar'' ou porque ''recebeu n premiações na noite do Oscar''...Relembrar as peripécias do casal de ''Titanic''- e da música ''chorosa'' de fundo- ainda é capaz de revirar as minhas entranhas...No entanto, sou obrigado a ''dar a mão à palmatória'' no caso deste excelente filme do diretor Sam Mendes, ''Foi apenas um sonho''. Em meio a uma das maiores crises econômicas de todos os tempos ele foi capaz de nos proporcionar uma obra de arte que, como é típico das melhores obras de arte, é puro aspecto ''subjetivo''( o psicológico defrontando-se uma vez mais com os ''idiotas da objetividade''- expressão do saudoso escritor brasileiro Nélson Rodrigues). O diretor de ''Beleza Americana'' mostra uma vez mais os bastidores de uma ''feliz'' família de classe média dos subúrbios norte-americanos. A época é 1955. O marido, pai de duas belas crianças, tem um emprego- que detesta. O casamento está por um fio, enquanto ele se dedica a casos extra-conjugais com secretárias do serviço. Eis que a esposa, saudosa do homem ''sonhador'' e ''idealista'' com quem se casara, tem uma idéia: mudar para Paris- onde se oferece inclusive para arranjar um emprego como secretária para ''bancar os sonhos dele''- com o intuito de salvar a relação dos dois. O casal Wheeler, como tantos casais de classe média, se julga ''especial''. Mergulhados na rotina e no tédio, acham que estão acima de tudo isto. Como todos os viciados em alguma coisa, acham que ''podem largar o vício a qualquer instante''...Antes um parêntese: tanto indivíduos quanto casais tem uma auto-imagem. Até mesmo mergulhados nas maiores adversidades, normalmente continuamos achando que somos capazes de superar todos os limites para, enfim, podermos levar a '' vida de nossos sonhos''...Os indivíduos que perdem a capacidade de sonhar, assim como os casais que perdem a capacidade de elaborar planos grandiosos, estão mortos e não sabem...A proposta de largar tudo e mudar para Paris, feita por April Wheeler, sacode as estruturas da rotina do casal, e perturba todos ao redor( seus amigos, vizinhos, colegas de trabalho). Uma das mais marcantes cenas do filme mostra centenas de indivíduos do sexo masculino, com ternos pretos ou cinza, descendo de um trem com destino ao trabalho. Há pouquíssimas mulheres no serviço, geralmente em papéis subalternos e secundários. Os empregos são desgastantes, mas ao menos proporcionam aos que se submetem a eles condições materiais confortáveis: e o homem é o ''provedor'' da família...É justamente neste contexto que April Wheeler( magistralmente interpretada por Kate Winslet)decide ''inverter os papéis'' e se oferecer para sustentar o marido, em um país distante, e ''bancar os seus sonhos''. Todos os demais- salvo um divertido personagem ''louco'', o mais lúcido entre eles- ficam incomodados com aqueles planos grandiosos. Afinal, ao redor dos Wheeler, os demais parecem já ter se acomodado à rotina. Os Wheeler parecem ''juvenis'' frente a todos os demais ''adultos'' conformados à mediocridade de seus empregos, família, etc. April Wheeler simplesmente propõe ''romper o pacto'', o ''status quo'' que os outros haviam estabelecido. Seu erro, grande erro, é desconhecer o caráter do próprio marido Frank( Leonardo Di Caprio). Frank a conquistara graças ao charme pessoal e ao discurso grandioso. Mas, àquela altura, Frank Wheeler já não tem mais sonhos a cultivar. Está acomodado à rotina, ao emprego medíocre, aos conhecidos igualmente acomodados. Enquanto Frank inicialmente reluta, para depois aderir plenamente aos sonhos da mulher- garantindo aos dois alguns meses de puro idílio e da mais perfeita paz e união- tudo parece perfeito. Porém, um despretensioso relatório que elaborara no emprego lhe garante o apreço dos chefes e uma proposta de crescimento na firma e um maior salário. Frank Wheeler agora tem muito a ''perder'' ao aderir aos planos da esposa. E mostra todo o seu caráter dúbio: consegue dizer, simultaneamente, sim aos planos feitos pelos dois bem como ao assédio do chefe, que propõe lhe dar um cargo melhor. Frank mentalmente já se acomodara, e os planos de April de bancar a realização de seus vagos sonhos da juventude começam a incomodá-lo. Frank, como todas as pessoas fracas, quer tudo: manter, ao mesmo tempo, o emprego ''de fachada'' com um bom salário e a casa confortável no subúrbio, assim como o amor de sua mulher. Por querer tudo, a ''não escolha'' de Frank acaba pondo tudo a perder... Perde o amor e o respeito da própria mulher que, neste momento, mostra-se como uma verdadeira ''fera enjaulada''. Fica melancólica, olha para fora com desejo de fugir daquela prisão em que se enredara, bebe, briga com o marido. Embora vista saias, é ela- psicologicamente- o lado mais forte da relação...Não contaremos mais da estória para não tirar a surpresa, mas a decepção de April Wheeler com a ''traição'' do marido( o abandono dos planos) é o grande momento, o melhor momento deste filme excepcional. O degustamos como a um prato delicioso e inesquecível. O silêncio- raro- da platéia em um cinema lotado é revelador. Quantos ali não se identificaram com algum dos personagens? Quantos ali não constataram que, como indivíduos ou como casais, haviam abandonado os seus sonhos há muito tempo, vivendo cômodas existências de silencioso desespero? O filme ''coloca o dedo na ferida de todos nós''. Afinal, por mais que nos escondamos por trás do que fazemos para ganhar a vida, do que temos/possuímos, excepcionalmente encontramos um espelho pela frente para nos lembrar o que somos. ''Foi apenas um sonho''( o título soa ainda mais irônico em inglês: Revolutionary Road...)é um belo espelho no qual, além de todas as desventurais atuais no plano material, enxergamos várias de nossas ''misérias existenciais'' que nem o passar do tempo consegue apagar...Alcnol.
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