Há muito tempo sou admirador declarado do cinema argentino. Sem medo de ''patrulhas'' nacionalistas...O cinema do país vizinho possui uma grande capacidade de, sem omitir o ''local'', abordar as grandes questões que afligem a Humanidade como um todo. As películas argentinas, ao contrário das nossas em sua maior parte, podem ser vistas e apreciadas por platéias do mundo inteiro. E nem por isto deixam de ser, ao mesmo tempo, divertidas...Dentro do ''todo''- cinema argentino- existem inúmeras sub-divisões: ''road movies'', filmes urbanos, filmes no campo, filmes na Patagônia, filmes que começam na cidade grande e terminam na Patagônia e, até mesmo, filmes com toques de espiritualidade. Há tempos vi um que mostra uma comunidade zen-budista no interior da Argentina. Entretanto, embora existam diversas categorias de filmes, os melhores são aqueles que não são facilmente ''classificáveis''...Que assistimos como uma ''obra em aberto'', sem saber como tudo aquilo vai acabar...É isto que mais apreciamos nos filmes orientais, em seriados como ''Lost'' e, agora, neste estranho ''Hunabkú'', do diretor argentino Pablo César. A estória mostra uma família feliz( pai, mãe e um adolescente de 13 anos)que, por conta de uma proposta profissional recebida pelo pai, deixa Buenos Aires e vai morar na fria Patagônia. As cenas das geleiras, diga-se de passagem, são imperdíveis...Após a chegada, os componentes da família- com destaque para o garotinho e a mãe- começam a experimentar diversas transformações: a mãe ora dorme inexplicavelmente, ora tem uma forte insônia; o garoto diz ouvir ruídos; o pai pergunta a um colega sobre as estranhas pegadas que viu no chão perto do local de trabalho( ''seriam de um urso? ou de um cão''?). Embora ouçamos um forte som de vento, as nuvens todas parecem congeladas no céu( bem ao contrário de São Paulo, aliás, onde há uma ''dança'' frenética e contínua das mesmas, anunciando súbitas mudanças de temperatura no mesmo dia...). O garoto ainda tem visões, como uma em que vê o vigia do local morto. Após alguns dias, a previsão torna-se realidade...Ele ainda faz amizade com uma japonesa, com a qual faz inúmeras excursões pelas geleiras...E confessa ''não saber se quero ir embora ou ficar dentro deste buraco de gelo'', uma vez que ''tenho medo de ser tragado pela geleira''...E se pergunta o que está embaixo da geleira...Sua saúde também apresenta súbitos câmbios: ora tem febre, frio, pesadelos, alucinações, ora se recupera de súbito e assiste estranhas aulas ao ar livre com um professor que mais parece um mago...Seus questionamentos junto ao assistente do professor dão margem a uma interessante discussão que mostra basicamente duas posições: uma defende o papel dos instintos, da emoção e da intuição, e a outra é a clássica abordagem ''científica'' que exclui tudo isto...O professor afirma na aula perto da geleira que ''os seres humanos são como parasitas sobre uma baleia(a natureza), correndo o risco de assassiná-la para tirar proveitos para si''...O que é ''Hunabkú''? Segundo a visão maia, é um ''símbolo que representa o centro de energia do Universo''. Fica subentendido que ''Unabkú'' é ali, naquela área repleta de geleiras próximas de extinguir-se pela ação do homem. Tal como em ''Lost'', o filme é repleto de encontros no plano, digamos, ''espiritual''- em outra dimensão que não a puramente física- já que, conscientemente as pessoas não tem nenhuma evidência de terem encontrado umas às outras. O professor ''viaja'' para outra localidade, mas é visto pelo pai do garoto- que trava com o mestre supostamente ''ausente'' um diálogo que dura a noite inteira...A mãe vê Unicórnios...Sei que você deve estar pensando que este filme é muito ''viajandão'', e se indagando se ele não foi feito sob o efeito de substâncias viciantes...Mas todo Diretor de cinema que se preze quer ser um Bergman. Deseja criar uma obra inesquecível e marcante, que seja apreciada pelo público ''certo''. No entanto, com o decorrer dos anos, alguns criadores tornam-se meros burocratas, apresentando periodicamente obras medianas e mais comerciais. E outros, como parece ser o caso deste jovem Diretor argentino, se mantém na busca pelo ''especial'', pelo ''raro'', pelo ''único''. Estes criadores oscilam entre o ''8 ou o 80'': ou elaboram algo medíocre, sem meio-termo, ou fazem coisas geniais e inclassificáveis. ''Hunabkú'' poderia ater-se às imagens das geleiras da Patagônia, e já seria um filme memorável. Ousou fazer bem mais. É um verdadeiro manifesto em defesa da natureza. Nas palavras de seu Diretor antes da exibição, mostra o ''confronto entre a razão humana e o código da natureza''. Quem vencerá este confronto, se é que pode haver um vencedor, o tempo dirá. Mas nós, que tivemos a oportunidade de assistir esta obra-prima do cinema do pais vizinho, podemos nos proclamar com antecedência ''vencedores'': não é todo dia que podemos ver películas como esta...Alcnol.
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