Não é fácil falar das maiores mazelas do país utilizando a primeira pessoa, sem auto-excluir-nos: ''nós''. Normalmente, e é muito mais cômodo, usamos a terceira pessoa ao fazermos afirmações semelhantes. ''Os outros'' são mal-educados. ''Ninguém'' respeita as leis de trânsito. ''O brasileiro'' é irresponsável. ''As pessoas'' não sabem tratar umas ás outras. Versões na primeira pessoa do plural das mesmas frases sairiam como ''nós somos mal educados'', ''nós não respeitamos as leis de trânsito'', ''nós somos irresponsáveis'', ''nós não sabemos tratar uns aos outros'', ''nós somos lenientes com a corrupção'', e por aí afora, em um rosário infinito de auto-recriminações. Embora mais doloroso, o processo descrito acima é mais efetivo. Ensina-nos que as coisas começam e terminam em nós, e qualquer processo de mudança também parte da nossa pessoa. Nós nos compromissamos, porque somos responsáveis pelas coisas...Cite-me uma grande personalidade da história que não se julgava capaz de transformar as coisas iniciando por sua conduta...Claro que nós nascemos em um meio complexo, ''sui generis''. Pense em um meio de pessoas honestas, incorruptíveis. Qualquer proposta suspeita seria rechaçada ás claras, sem hesitação. Condutas desonestas, caso houvesse aceitação por parte de mais de uma pessoa, teriam de ser feitas por trás dos panos, às escuras, de modo que ninguém tomasse conhecimento. O honesto não tolera o corrupto, e vice-versa. Os dois não se misturam. Como água e azeite...Nós, infelizmente, não vivemos neste mundo de pessoas ''certinhas''. Não temos, ainda, noção do que é interesse público, e, aqui, a noção de uma conduta ''republicana''- impessoal, em prol única e exclusivamente da sociedade- não passa de um sonho...Cometemos, aqui e ali, cotidianamente, pequenos ''pecadilhos'', na ignorância de que todos os nossos gestos acabam se somando nisto- neste grande mar( de quê?)- que é o Brasil de hoje. ''Ah, a corrupção. Que absurdo! Alguém tem de combatê-la, não é verdade?'', brada a nossa metade pública. Enquanto isto, no plano particular, não julgamos que estacionar o nosso carro em fila dupla vai afetar o trânsito, e ainda reclamamos e tentamos dar um ''cafezinho'' para o guarda que, justamente, ameaça multar-nos...Ficar na fila é para os ''trouxas''. ''Bebida e direção não combinam'', repete-se o tempo todo, ''mas eu vou tomar só uma''...O nosso meio não é corrupto. Os corruptos, os grandes corruptos, estes são facilmente identificáveis. Infelizmente, alguns ocupam posições públicas graças ao nosso voto. Ou do voto dos outros, aquelas ''bestas que não sabem votar''. Em quem foi que o senhor/senhora votou mesmo nas últimas eleições? ''Ah, eu não me lembro. Políticos são todos iguais mesmo...''. O que seria INSUPORTÁVEL em um meio de pessoas ''certinhas'', bem-educadas, honestas, torna-se suportável, tem aceitação neste meio frouxo em que vivemos. Não somos corruptos, em nossa grande maioria, repito. Mas não sabemos exigir os nossos direitos. Já que a mania agora é se espelhar nos outros, no que as chamadas ''personalidades'' fazem, maus exemplos é que não faltam. Suportamos, alguém nos suporta, ''é insuportável'', bradamos enquanto tomamos a nossa oitava dose de uísque de uma noite- metafórica- que parece estar só começando. Depois, pegaremos o nosso ''possante'' para voltar para casa. ''Lei Seca''? Isto é para os ''outros''...Aviso: o autor desta crônica, embora falando na primeira pessoa, costuma caminhar pela cidade em que felizmente mora, ou utilizar o transporte público. Os exemplos dados foram meramente ficticios...
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