Não pense que nascemos com gosto pela chamada ''haute cuisine''. O meu, por exemplo, surgiu poucos anos atrás. Após várias tentativas mal-sucedidas. Em uma viagem ao Rio de Janeiro, lembro de ter reclamado com uma amiga de ''ficar sempre com fome'' após um almoço em um restaurante francês ou italiano( não as cantinas, claro...). Isto porque, em minha infância, o normal era gostar de pratos gigantescos, abundantes. Moqueca baiana, rodízio de churrascarias, pizzarias, tudo isto ainda está no meu ''DNA Alimentar''- e espero que continue...No entanto, passada a adolescência, começamos a abrir nossas mentes para outras opções igualmente interessantes. Mas falava de uma viagem ao Rio, anos atrás, e de minha exdrúxula reclamação sobre o ''tamanho pequeno'' dos pratos em restaurantes mais ''chiques''. A primeira vez em que não reclamei foi em um restaurante outrora situado na Praça Nossa Senhora da Paz ,em Ipanema: o ''Pax''. Uma bela casa com dois andares, e predominância da culinária italiana à época. Quando passei a aceitar o ''couvert'' e os bolinhos de entrada, minha ''fome pós-refeição'' começou a diminuir...Hoje adoro estes lugares que servem pratos da culinária francesa, bem ''diminutos'' para o ''padrão brasileiro''. Isto porque, com o tempo,vamos descobrindo que é verdadeiro aquele ditado segundo o qual ''os melhores perfumes vem nos menores frascos''. Ou melhor, não importa o tamanho da refeição, e sim sua qualidade...Com uma longa introdução como esta, até parece que vamos falar de mais algum daqueles lugares ''badalados'' da chamada alta culinária paulistana. Conclusão equivocada. O lugar onde tivemos oportunidade de almoçar no dia de hoje lembra-nos, pelo contrário, a época da infância, onde ''tudo era permitido'' nesta área alimentar, e comer era apenas uma diversão...Falo do agradável restaurante ''Brasil a Gosto''( Rua Prof.Azevedo do Amaral, 70, travessa da Rua Barão de Capanema- proximidades da Avenida 9 de Julho, nos Jardins). A casa foi destaque em uma reportagem publicada no jornal ''The New York Times'' sob o título ''In São Paulo, Brazilian Cuisine is Back on the Table''( em São Paulo, a cozinha brasileira está de volta á mesa)no último dia 17 de maio de 2009. Infelizmente não pudemos descobrir quem assinava esta extensa reportagem, traduzida por Ricardo Sacco e gentilmente distribuída aos clientes do ''Brasil a Gosto''. Mas nela, o autor ressalta que ''a idéia de que a cozinha brasileira pode manter-se está lentamente tomando forma em São Paulo, graças a uma nova geração de chefs buscando por técnicas lá fora, mas, por seus ingredientes e tradições aqui dentro do país''. É tal a empolgação deste jornalista com este estabelecimento comandado pela jovem chef Ana Luíza Trajano que ele destaca ter visitado o ''Brasil a Gosto'' pela primeira vez com Arnaldo Lorençalo, o editor de restaurantes da revista ''Veja São Paulo''( OBS: suplemento da Revista ''Veja'' que só circula na capital paulista e arredores), ''que o nomeou o melhor restaurante da cidade apenas oito meses após a sua inauguração''. Esta opinião é compartilhada pelo próprio jornalista do ''NYT'' linhas mais tarde: ''Mas o que transformou o lugar em meu restaurante favorito em São Paulo, onde vivo desde dezembro, foi um peixe do mar- abadejo com crosta de baru( R$ 48,00). O baru, castanha do cerrado brasileiro, desconhecido até mesmo por muitos habitantes daquelas vastas savanas, tem o sabor semelhante ao do amendoim, mas é rico em conteúdo como a castanha de caju ou as amêndoas''. O ''couvert'' da casa inclui chips de mandioca, pães variados( de queijo, de cenoura, etc.), acompanhados de manteigas diversas( incluindo uma de baru, já descrito acima). Como entrada, pedi os apetitosos bolinhos de arroz( foto), aos quais acrescentei a forte pimenta malagueta que os acompanhava...Como prato principal, ''carne de panela com baião de dois''( arroz, feijão branco e queijo coalho). Merece ser degustado aos pouquinhos, ao som da agradável música brasileira que tocava ao fundo...Para encerrar esta lauta refeição, bananada com sorvete de nata e biscoitos de castanha do pará( inesquecível sobremesa, com a quantidade certa de doce na bananada- sem os exageros que marcam a culinária nacional neste quesito...). Comer bem e sem preocupação, em um lugar tranquilo e agradável como este- embora provavelmente acrescente várias gramas ao nosso corpo- deixa, ao mesmo tempo, a nossa alma bem mais leve...É isto que pude reparar nas caras felizes dos frequentadores, em sintonia com a gentileza e a própria alegria que emanava dos funcionários da própria casa. Este talvez seja um relevante diferencial em relação a alguns ambientes da chamada ''alta culinária'': ali tudo é muito mais solene e formal, até mesmo por conta do elevado grau de exigência de seus clientes...Não é fácil lidar com personalidades acostumadas ao mando: todo cuidado é pouco nestas horas... Ali, neste lugar descontraído, despojado, mas também de alta qualidade( quem sabe brevemente estaremos usando o termo ''haute cuisine'' para nos referir também à nossa própria culinária?), sentimos, em determinado momento, aquela combinação perfeita entre os pratos que degustávamos e o alegre astral reinante. Aquelas coisas que remetem à nossa infância, quando a melhor forma de mostrar o nosso elevado contentamento com alguma refeição era simplesmente com um sorriso...Alcnol.
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