Os próximos dias, para os cinéfilos de São Paulo, prometem ser de bastante ''stress'' e correrias- sem contar as filas. É que acaba de começar a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo...Neste primeiro dia, um pequeno contratempo por conta da ''organização''. Os catálogos com a sinopse dos filmes ainda não chegaram. O que obriga- só agora descobri- os adquirentes dos pacotes a consultar as sinopses diretamente no site da mostra. Quando reclamei que não poderia reservar um filme com 4 dias de antecedência se não tinha catálogo nem as sinopses publicadas nos jornais locais, uma atendente irritada replicou ''já está há vários dias no site''...Os tecnófilos não terão dificuldade alguma em transitar para estes dias em que não é mais possível escolher filmes no papel, seja no catálogo ou nos guias dos jornais diários. Eles já fazem a mudança de modo automático. Eu, porém, sou antiquado, e não gostei nem um pouco de saber que a Mostra já começou e os catálogos ainda não chegaram...Nem apreciarei um mundo em que o meu jornal diário poderá ser lido não mais em um calhamaço de papel e sim em uma fria tela de computador...No que se refere à Mostra, uma vez que não sou crítico de cinema especializado, não tenho a pretensão de ver tudo. Basta alguns exemplos, e que sejam bons. É o caso deste ''Bluetooth Virgin'', exibido no Cinesesc( vide fotos do saguão de entrada)esta sexta-feira. Um roteirista de cinema de mais de 30 anos conversa com um amigo Editor de revistas. Reclama de uma suposta ''barreira'' contra escritores com a sua idade, uma vez que o sistema está sempre à busca dos ''novos talentos''. O amigo não parece convencido disto. Nesta hora, o roteirista diz que tem um texto ''único'' que deseja apresentar ao amigo. Este, após lê-lo à noite em casa, detesta-o. E o comenta com um outro Editor. Ironiza o fato de que as pessoas, hoje em dia, apreciam esta espécie de ''nonsense'' com aparência ''artística''( e ainda cita literalmente David Lynch como exemplo disto...). Confessa que gostaria de dizer a verdade ao amigo roteirista, mas teme perder a amizade...Então, decide ser indireto. Apontar falhas em pontos específicos da estória. É nesta hora que ele perde o controle. Aponta tantos defeitos que o amigo logo percebe que ele não gostou de nada, nem entendeu...Os dois acabam dizendo tudo o que de fato pensam um sobre o outro, e a cena termina de modo tenso...O roteirista chega em casa, e reclama do fato com a mulher. Esta, uma bela executiva, é quem, de fato, sustenta a casa e paga todas as contas- uma vez que o ''genial'' marido há anos não consegue emplacar nenhum trabalho...Primeiro ela defende o cônjuge dos ataques feitos pelo amigo. No entanto, solta pequenas farpas. Com um copo de bebida na mão, reclama do fato do escritor depender tanto das opiniões alheias. E acaba dizendo que não foi com este homem frágil que ela casou...Notem que, embora o objetivo principal de todos estes personagens seja o de ''suavizar a coisa'', a verdade acaba se infiltrando por todos estes diálogos, criando uma enorme tensão entre todos eles...O filme é entremeado por inúmeras citações de escritores, como esta de T. S. Elliot: ''Alguns editores são escritores fracassados, assim como a maioria dos escritores''. Continuando, o amigo Editor de revista visita a sua própria terapeuta. Que, de modo franco e duro- raro entre os profissionais da Psicanálise- diz, ante a indireta de que ele Editor também sonharia em escrever um roteiro assim como ''todos em Los Angeles'', que ''nem todos tem algo especial a expressar''...Corte para mais uma frase: ''Escrever é muito mais fácil quando se tem algo a dizer''( Shalem Asch). O amigo roteirista, fragilizado após os diálogos com o Editor e com a própria esposa, decide conversar com uma ''consultora de roteiros'' que cobra US$1.500,oo por sessão...Entremeada por um discurso ''new age'', esta pede que ele interprete vários animais para soltar-se. E dá um toque bem interessante sobre o seu roteiro repleto de transformações, inclusive do sexo dos personagens: ''É dolorido ser visto. Porém, é também absolutamente indispensável. Transformar-se continuamente é se esconder''...Os dois amigos se reencontram, e pedem mutuamente desculpas um ao outro. O roteirista diz que decidiu largar o árduo ofício de escritor para ''dar aulas de roteiro'' ( melhor caminho para quem não se sai bem na própria área...). Ao que o amigo Editor replica informando que escreveu um texto, sobre um caso de amor na Austrália. É ironizado pelo roteirista. Mas este não sabia que o texto havia sido aprovado por um dos maiores estúdios de Hollywood...O roteirista confessa todo o seu ódio e inveja diante do sucesso do outro...Mesmo assim, rebate dizendo que ''ter altos padrões é o motivo de toda escrita''...Frase de Albert Camus: ''O objetivo do escritor é impedir que a civilização destrua a si mesma''...Dei nota máxima a este belo exemplar do cinema independente norte-americano, feito com poucos recursos e atores desconhecidos. Nem só de George Bush, batatas fritas e hambúrgueres vive a América...Alcnol. PS: Se você vive em São Paulo, uma pequena dica para estes dias da Mostra. Lugares mais ''afastados'' da Paulista, e que não tem ''tradição'' de exibir filmes alternativos- tais como o shopping Cidade Jardim( uma sala para a Mostra), o shopping Eldorado e o shopping Bourbon Pompéia- são os lugares ideais para se evitar a correria e as longas filas...
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