Passei os últimos dias em silêncio, ao menos aqui. Tudo o que me vinha à mente referia-se ao mundo ''fático'', dito ''real''. Já explicitei, neste blog, que nossa função aqui vai além do mero comentário de acontecimentos. Para isto, para despejar milhões de ocorrências sem nexo entre si a todo instante, contamos com a imprensa. A imprensa tem os seus comentaristas, e eles ''douram a pílula'', amenizam a triste sensação que temos ao lidar com tantas desgraças do cotidiano, ''relêem'' alguns destes fatos à sua maneira, ou não. EU ESTOU EM GUERRA COM O ''REAL''. Há alguns dias escrevi diversos textos sobre o mundo das réplicas, a realidade ''fake'', Eis uma faceta da realidade ''espetacular''. O outro lado, por incrível que pareça, chama-se ''notícia'', ''fato''. Uma pessoa, sem dinheiro para pagar o pedágio, decide voltar na CONTRAMÃO pela movimentada rodovia dos Imigrantes. Eu li isto no jornal, e comentei com o porteiro do prédio. - ''Você não sabia disto?'', ele me pergunta- triunfante. - ''Deu na TV ontem à noite''...A brincadeira com o ''factual'' não é mais exclusividade das camadas médias, leitoras de jornal. Na realidade espetacular, midiática, todos tem a ilusão de estar bem informados. A todo instante alguém comenta sobre o caso Isabella, sobre o terremoto da China. Motoristas de táxi, ano passado, por volta da queda do avião da TAM em Congonhas, transformaram-se em legistas e comentaristas. Todos tinham uma OPINIÃO formada sobre o assunto. Eis porque o mundo ''factual'' é tão perigoso. Os fatos dão lugar a opiniões superficiais sobre qualquer tema. A realidade submerge, reduz-se, encolhe ante a verborragia onipresente e triunfante. É tão impossível escapar dos tentáculos do ''real'' imperante e total quanto é impossível escapar dos ruídos de buzinas e celulares( breve teremos de suportá-los até mesmo durante as viagens de avião! ). No entanto mesmo a nós, leitores treinados e escolados há muito de jornal, esta infinitude de fatos dispersos acaba enganando por vezes. Para não submergir, teríamos de arquivar estes fatos em uma pasta especial, a que recorreríamos em caso de ocorrências semelhantes. Só a nossa memória não é suficiente. CASO fossemos capazes de ler toda esta ''realidade'' que nos circunda e coloniza, entenderíamos que o atraso do metrô foi causado por alguém que se jogou sobre os trilhos. Um outro cidadão seguiu pela contramão de uma movimentada rodovia no início do ano, e colidiu contra um outro veículo- vindo a falecer...Uma outra pessoa seguiu na contramão da Avenida 23 de Maio há poucos dias, felizmente de madrugada, e foi detida pela Polícia. Assim, também, iríamos coletando os fatos referentes a ocorrências com motoristas alcoolizados. Mataram uma família inteira aqui, uma criança ali, aleijaram uma pessoa aqui, deceparam a cabeça ou os braços de outro ali...O mundo ''fático'' cheira a morte. Nos tornaríamos, nesta atividade coletora de ''fatos'', pouco mais do que legistas do IML, dissecando cadáveres após cadáveres...(''Fake'' mais ''real/fato'' é igual a MORTE, que é igual a Espetáculo)...No entanto, iludidos que estaríamos na busca de sentido para todos estes ''fatos'', ainda assim não poderíamos coletar muito mais do que uma FRAÇÃO da realidade existente. É tal a sua complexidade, que acreditamos que uma pessoa que pudesse ver TUDO o que ocorre em uma cidade como São Paulo enlouqueceria. É muita dor concentrada... Que dirá alguém capaz de enxergar tudo o que ocorre no Brasil? Ou no mundo? Este ser não existe, ao menos em forma humana...Para não sucumbirmos ante a grandeza e magnitude do real é que somos dotados de idéias, pensamentos. Nossas idéias sobre o que ocorre agem como ''filtros'', eliminando fatos contrários e selecionando fatos que reforcem a nossa visão de mundo. Por isto, mesmo que nos iludamos cada vez mais em nossa atividade frenética de ''caçadores do real'', o mundo dos acontecimentos do codidiano é, de fato, um mundo IDEOLÓGICO/IDEAL/MENTAL. Houvesse apenas um ''real''- e todos seríamos capazes de fazer a mesma leitura do que ''existe'', não é? No entanto, o que vemos não é isto. Ao triunfo do ''real'', segue-se uma fragmentação no plano mental. Unidos pela Globalização, pela ''Informação'', nunca parecemos tão divididos quanto à leitura do que está acontecendo. O ''factual''/''real'' de oportunidade transforma-se em risco. Quando todos parecemos bem informados sobre o que está acontecendo, quando as coisas parecem bem ''concretas'' a ponto de qualquer um poder fazer a sua leitura, ''facilitada'' por uma imagem qualquer do que ocorre, tudo isto acaba reforçando a nossa ''certeza''. Ou seja, o ''real'' acaba transformando-se em mero instrumento das nossas convicções. Voltamos, por vias tortas, ao Dogmatismo...Claro que não estamos de algo acabado. Eis uma potencialidade, uma leitura do ''mundo fático'' tão ou mais tendenciosa que as demais. E a análise do mundo ''real'' acaba tornando-se mais uma oportunidade de não sucumbir a ele. Entendendo-o, dissecando-o, sem falar especificamente de nenhum fato ''concreto'', ''real'' ocorrido nos últimos dias. Isto não é ''blá, blá, blá''. Isto é blog...
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