quarta-feira, 17 de setembro de 2008

''Perigo! Batatas fritas- II ''

''Coincidentemente'', boa parte dos que defendem o chamado ''Estado Mínimo'' pertencem aos estratos mais poderosos da sociedade. Como assim? As empresas defendem a não intervenção do Estado na economia, em nome do chamado' 'livre mercado''. Mas haveria um direito ilimitado a reajustar preços? Haveria um direito ilimitado a vender mercadorias de qualquer modo, sem padrões mínimos de qualidade e desatendendo normas públicas de saúde? A intervenção estatal, respaldada por instrumentos como o Código de Defesa do Consumidor, visa proteger em especial os mais fracos, os ''hipossuficientes''. O consumidor, em seu litígio contra as empresas, é usualmente a parte mais fraca. O CDC assumiu claramente a sua defesa, e estabelece inclusive a chamada ''inversão do ônus da prova'': o Juiz pode determinar que a empresa, que tem livre acesso e controle sobre os dados técnicos dos produtos que vende, prove ''que não agiu de determinada forma'', ''que o produto não é lesivo à saúde do consumidor'', etc. Isto é severo, draconiano, mas plenamente justificado pela desigualdade entre as partes. Como irá um consumidor provar que um produto é lesivo? Custeando caríssimos testes de laboratório? Efetuando pesquisas, pagas do seu próprio bolso? A intervenção ''parcial'' do Poder Público, amparada pela lei, justifica-se no sentido de que visa ''reequilibrar o jogo'' entre dois jogadores que tem características muito diversas: as poderosas empresas, e os consumidores. Alguém questiona este tipo de intervenção estatal? Alguém, salvo as empresas, claro, vislumbra neste tipo de ação um ''risco à liberdade individual''? Toda a reclamação em torno da chamada ''Lei Seca'' funda-se em argumentos semelhantes. Os proprietários de veículos motorizados, não casualmente pertencentes aos estratos economicamente mais elevados da população, reivindicam o ''direito'' de conduzir os seus carrões livremente. No entanto, antes da Lei, diariamente os meios de comunicação noticiavam inúmeros casos de acidentes causados por condutores alcoolizados. Que interesses estavam em jogo? De um lado, o dos motoristas. De outro, o de suas vítimas: crianças, ciclistas, idosos, pedestres em geral - neste país ''coincidentemente'' pertencentes às camadas mais pobres da população- bem como até mesmo os condutores de outros veículos menos ''possantes''( motocicletas e ''fuscas'' ,atingidos por caminhonetes SUV e caminhões...). O que é a ''Lei Seca''? Uma iniciativa, patrocinada pelo Estado e com o apoio inequívoco da sociedade, no sentido de regular o uso de veículos automotores. O consumo de álcool continua livre. Mas não ao volante...Por que se quer proibir o consumo de cigarros em lugares públicos? Para proteger os fumantes passivos que, segundo as pesquisas médicas, são as grandes vítimas de todo este ''fumacê'' produzido pelos fumantes inveterados...Elimina-se o direito dos fumantes fumarem? Não, condiciona-se. Para defender o interesse daqueles que não fumam...E as batatinhas fritas? Há muito se sabe que a gordura vegetal hidrogenada- gordura ''trans''- usada em sua preparação é altamente letal à saúde. Aqui a ação do Estado requer, além da repressão e proibição do uso destas substâncias venenosas e cancerígenas, também a educação das pessoas para que não consumam produtos preparados desta forma. Padarias, pizzarias, lanchonetes tem feito ''ouvidos de mercador''. Não tem aplicado as recomendações estatais no sentido de não utilizar estas substâncias no preparo de alimentos. Em decorrência, o Ministério da Saúde tem acenado com uma virtual proibição total da gordura ''trans'', no longo prazo de ''3 a 5 anos''. Foi contra isto que se insurgiu aquele artigo da Revista ''Época''. Pergunto: o direito dos comerciantes de substâncias tóxicas pode se sobrepor ao DIREITO À SAÚDE das pessoas em geral? Os operadores do Direito são corriqueiramente colocados diante de conflitos como este. A melhor saída sempre é PONDERAR, sopesar os direitos em conflito, tentar reequilibrá-los por meio de uma ação do Poder Público que resguarde os interesses de todas as partes. E o ''perigo'' de todas estas intervenções do Estado, em contraposição aos direitos individuais, por mais legítimas e justificadas que sejam? Se você ainda não vislumbrou, diante do visível ''encolhimento'' do Estado nos últimos anos e da privatização de diversos serviços outrora públicos, um outro risco, um risco ainda maior- o de sermos manipulados e controlados por todos estes oligopólios privados que agem cada vez mais desenvoltamente no terreno econômico- faço questão de dar-lhe as boas-vindas a este ''mundo novo''. Mas claro que, inteligente como você é, e temeroso de idenficar-se nos modernos ''lugares públicos'' como a Internet, em que grandes empresas e anônimos usualmente captam os nossos dados e passos com propósitos obscuros, você já deve ter ''sacado'' de onde podem advir os maiores riscos para as liberdades individuais...Será que as grandes empresas- que atualmente fazem inúmeros testes no sentido de estudar o comportamento dos consumidores por todas as formas- caso elas descubram uma maneira ''infalivel'' de vender os seus produtos, poderemos confiar que terão a capacidade de ''auto-regular-se'' e usar estas técnicas sem violar a vontade dos consumidores? Poderemos, caso esta hipótese se concretize- e não estamos muito longe disto- estar novamente diante de um conflito entre liberdades: a ''liberdade de vender'' versus a ''liberdade de escolher o que comprar e de adquirir ou não um produto''. Que liberdade seria mais digna de proteção por parte do Poder Público? De que lado você se posicionaria?

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