segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Não se pode ajudar- verdadeiramente- ninguém...

Há duas espécies de ajuda: a material e a moral. Ajudar os outros materialmente é muito mais fácil e viável. Com alimentos, abrigo, roupas, as formas são infinitas e bem variadas. Necessitados, neste plano, não faltam. Mais difícil é ajudar alguém ''por dentro''. Isto porque não se pode dar amor a quem não aceita ser amado, não se pode fazer companhia a quem prefere viver só, não se pode animar quem faz pouco de nossos conselhos, não se pode ''transferir'' um pouco de nossa alegria a quem prefere- de todas as formas- sofrer...Aliás, a ''doença'' mais compartilhada pela humanidade é o sofrimento. Além de todas as formas de sofrer naturais- provocadas por furacões, enchentes, doenças, deficiências físicas, etc.- o ser humano ainda acrescentou inúmeras outras por sua conta. Como diz uma tia: ''viver é fácil, a gente é que complica''...Prendemo-nos ( voluntariamente nos algemamos)continuamente ao nosso mundo particular de ilusões. Nossas estórias, as estórias que estamos contando o tempo inteiro por meio da literatura, dos filmes, das músicas, da TV, da Internet, estão quase todas repletas de dor e de mágoas. Às vezes, é muito mais apropriado deixar alguém ''sofrendo'' do que tentar tirar aquela pessoa da estória que ela escolheu viver, e à qual se apega como uma criança ao seu brinquedinho...O sofrimento vicia...

''Blindness''( Ensaio sobre a Cegueira)

Confesso que não li a famosa obra do escritor português José Saramago. Ou qualquer um de seus outros livros. Nenhuma implicância. Só não li, ainda. Por isto, meus comentários sobre o filme recém-lançado do diretor Fernando Meirelles não podem conter qualquer espécie de comparação- método clássico da crítica- entre a obra literária e a cinematográfica. Assisti ''Blindness'', por isto mesmo, meio ''às cegas'' ( desculpem a piadinha infame, mas há vários exemplos de ''humor negro'' na película, entre eles uma brincadeirinha com o cantor norte-americano Stevie Wonder...). O filme não é fácil. Evitem-no em dias difíceis. Óbvio, uma vez que a estória já foi comentada inúmeras vezes em diversos ensaios e agora nas matérias de imprensa sobre o filme, seria falar que se trata de uma estória sobre uma epidemia de cegueira. Na metrópole do filme( indisfarçavelmente São Paulo: com as cenas gravadas na Drogaria Onofre da esquina da Rua Pamplona com a Avenida Paulista, a referência ao luxuoso hotel Emiliano e as cenas de apressados ''motoboys que arrancam no sinal verde, quase atropelando um pedestre que ainda estava na faixa...), um a um os seus habitantes vão perdendo a visão. Mas não é uma cegueira clássica- aquela em que há uma escuridão completa- e sim uma cegueira em que só se vê uma luz branca no lugar de tudo...O filme, cena após cena, assemelha-se à descida ao inferno de Dante Alighieri. Primeiro o Governo trata de tranqüilizar a população, enquanto os enfermos são instalados em hospitais- sob quarentena. Depois, com a multiplicação dos casos de cegueira, dá-se o pânico, e os locais são definitivamente isolados, como em campos de concentração. Dentro, as pessoas dedicam-se às piores baixarias- como é comum em situações extremas. Um grupo se apodera dos poucos víveres, e aproveita-se do fato- e da posse de uma arma- para chantagear os demais ''internos''. As cenas, incluindo estupros, são fortes. Porém, em meio a tudo isto, também presenciamos comportamentos da mais alta nobreza. De solidariedade, de sacrifício, de amor. Há uma expectativa de redenção. A ''cegueira''( ou barbárie), só em alguns é completa. Alguém não perde a visão, nem a dentro nem a de fora, e acaba se tornando a líder de um grupo de pessoas. As cenas de uma metrópole esfacelada e do caos reinante não ficam a dever em nada aos filmes estrangeiros. Talvez por isto Meirelles tenha optado por diálogos em inglês, com legendas em português. É um filme para exportação...Saindo dali, ainda impactado por tantas cenas com uma forte luz branca, olhei para o céu e, em um dia frio típico de inverno com temperaturas na faixa dos 14/12 graus, tudo estava meio enevoado. Em síntese, branco...Aquelas antenas altas todas da região da Paulista estavam cobertas por uma forte névoa, em um cenário raro e surreal...Filme e cenário ''real'' se juntaram para me dar esta impressão de que ainda não havia saído da fantástica estória. Estaríamos todos, a esta altura, igualmente ''cegos''? Na vida, ao contrário dos filmes, é mais difícil apontar uma ''saída''...

''Hora do Recreio''

Aqueles funcionários engravatados todos, que saem animadamente para o almoço, ocupando quase toda a calçada da Avenida Paulista e arredores com a sua presença e suas vozes ruidosas, mais parecem colegiais na hora do recreio. Contidos que estavam em suas empresas, cujos diretores lêem com avidez os mais recentes tratados de Administração e Marketing, eles mostram com sua atitude o quanto estamos distantes de aplicar no cotidiano as mais modernas técnicas empresariais...''Devemos dar a voz a todos'', ''ambiente participativo'', ''voz ao cliente'', e os funcionários ali, na hora do almoço, aliviados por sair por instantes do ambiente em que, claramente, se sentem intimidados e temerosos...

A oposição acabou?

Este é o título de uma matéria do jornal ''O Globo'' de ontem, 14/9. Na matéria, o senador Sérgio Guerra, Presidente do PSDB, afirma que ''a oposição no Brasil foi revogada, saiu de moda''. Destaque-se que a ''nova postura'' dos partidos de oposição tem até razão de ser: as últimas pesquisas apontam para uma popularidade de cerca de 64% para Lula, inclusive nos grandes centros e lugares outrora refratários como São Paulo. A coluna ''Painel'',da Folha de São Paulo de ontem, estampa como título um surpreendente ''Lula tudo bem''. Segundo a colunista Renata Lo Prete, os tucanos pretendem utilizar em suas campanhas eleitorais o inusitado slogan ''Lula tudo bem. O problema é o PT''. a frase, martelada em um dos comerciais da nova fase da propaganda de Geraldo Alckmin, indica um tom que vai além da campanha paulistana, ditado pelo recorde histórico de aprovação ao presidente em pesquisa Datafolha. O comando do PSDB já sinalizou que fará vista grossa ao esforço de seus candidatos, por todo o país, para se associarem ainda que 'de lado' à imagem de Lula. O mesmo se passa com o DEM, cujo candidato em melhor situação nas capitais( ACM Neto, líder em Salvador)não se cansa de fazer mea culpa pelas críticas do passado e de repetir que, se eleito, terá plenas condições de trabalhar ''em parceria com o Planalto''( nosso grifo). Será então que, salvo as vozes isoladas dos jornalistas Diogo Mainardi e Reinaldo Azevedo- colunistas da revista Veja- viramos então todos ''lulistas''? E isto seria bom ou ruim para o país? Notem que, na matéria de ''O Globo'' há uma voz distoante em todo este processo. O senador Cristovam Buarque ( PDT-DF, ex-membro da bancada petista), ressalta que ''Não dá para negar que Lula avançou, mas sua capacidade de aglutinação representa hoje um retrocesso no nível de consciência do país. Os anos Lula serão lembrados como anos de silêncio intelectual''. Repete-se hoje, com novos nomes, a mesma euforia dos anos da ditadura. Do chamado ''milagre econômico''. ''A economia vai bem, danem-se os escrúpulos''. Note-se que a adesão entusiástica ao governo( qualquer Governo, seja Federal, Estadual ou Municipal)é uma característica típica do brasileiro. As pesquisas revelam que boa parte dos atuais prefeitos candidatos à reeleição tem grandes chances de vitória. Daí a verdade daquele artigo de Diogo Mainardi, comentado aqui, que falava do ''comportamento de rebanho'' de nosso povo. Isto se reflete até no futebol: da ''metade para cima'' do país( centro-oeste, norte e nordeste)quase todos torcem para o Flamengo. QUAL A GRAÇA DE TORCER PARA UM TIME PELO QUAL QUASE TODOS TORCEM? O brasileiro acha graça disto, prefere estar do lado ''da maioria'', do ''lado vencedor''...''Então está ruim?'', vocês poderiam perguntar. Não está ruim, inclusive para mim mesmo. O país vai bem, no sentido econômico da coisa. Continua crescendo. Tem credibilidade lá fora. Mas ainda tem muitos problemas( segurança, saúde, educação, etc.), que não justificam qualquer tipo de ''euforia'' momentânea. O ideal é típico de nações mais evoluídas e civilizadas. O certo é termos eleições polêmicas, concorridas, acirrados debates, ''claques'' organizadas de um lado e de outro. Nestas horas, acho que o Brasil caminha para trás, e dá vontade de ser ''gaúcho''( com bombachas, chimarrão e lenço vermelho)...Mas o brasileiro, - como no Plano Cruzado, no Governo Collor, nos Anos FHC- este gosta de embarcar em massa em qualquer canoa. Até o barco afundar e aí sim, toda a provisória ''maioria'' acordar e subitamente tomar-se de escrúpulos tardios e começar a criticar- como se não tivessem feito parte ''daquilo''. Festa e desilusão. Espero sinceramente que não afunde mais uma vez, já que estou nele. Mas quando quase toda a tripulação e os passageiros se movimentam em um só sentido de um navio- desequilibrando-o- nestas horas é difícil manter-se à tona...Já afundamos moralmente, este é o sentido das sábias palavras do senador Cristovam Buarque, um primeiro passo para o naufrágio definitivo. Nestas horas, é melhor treinar para uma virtual sobrevivência na ilha de Lost...

''Faça o que eu digo, mas não o que eu faço''

Segundo a mais recente edição da revista de negócios ''Dinheiro'', o governo Bush acaba de tomar o controle das duas principais companhias de crédito imobiliário dos Estados Unidos, a Fannie Mae e a Freddie Mac, injetando a bagatela de US$ 200 BILHÕES para evitar a quebra das duas. Segundo o secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Henry Paulson, ''Fannie Mae e Freddie Mac são tão grandes e tão entranhadas em nosso sistema financeiro que a quebra de qualquer uma delas poderia causar uma grande turbulência nos mercados aqui e ao redor do mundo''. Certo. Mas surpreendente, tendo em vista que os americanos tradicionalmente se dividem em 3 posturas ideológicas, apenas 2 delas representadas nestas eleições: a primeira, a dos chamados lá de ''libertários'', defende a desativação quase que por completo do Estado, salvo uma ou outra função essencial como segurança( o Estado é um ''mal'', eles dizem, ''o Estado mais prejudica do que auxilia a sociedade, que pode auto-regular-se de modo muito mais eficiente'': o pré-candidato republicano Ron Paul defendia esta tese do ''Estado Mínimo'', que em outras partes do mundo identificamos com a ideologia Liberal ''clássica''); a segunda posição- estigmatizada como ''liberal'' pelos conservadores norte-americanos- é representada pelos democratas como Hillary e Obama: mais taxação sobre os ''ricos'', mais gastos sociais em prol da pobreza, maior intervenção do Estado na área econômica, sob a justificativa de que ''o mercado não é capaz de auto-regular-se''; e, enfim, a posição dos republicanos, tradicionalmente ligados à tese de ''menos impostos e menor intervenção do Estado na economia'' mas, concomitantemente, mantendo o peso e a força do Estado em setores como o das Forças Armadas, prontas para intervir em qualquer conflito ao redor do mundo. A vida nos reservou esta surpresa de ver justamente os republicanos, tão partidários da tese de ''não intervenção, e menos impostos'', injetarem até agora quase MEIO TRILHÃO de dólares para salvar a economia norte-americana...''Alguém terá de pagar esta conta'', deveria estar se perguntando o eleitor médio daquele país, ao invés de ler comentários sobre a beleza e o novo corte de cabelo da vice republicana Sarah Palin- uma grande jogada de marketing...''Alguém irá pagar esta alta conta'', e toda esta dinheirama terá de sair de algum lugar. É melhor, a esta altura, que os republicanos passem a dar menos ênfase a esta estória de ''menos Estado, menos impostos''...