terça-feira, 9 de outubro de 2007

O que é um filme ''fascista''???

Na escola da vida aprendi a desconfiar das versões oficiais. A buscar e descobrir novas versões para os fatos, uma vez que a realidade é multifacetada, cheia de nuances. Na época da ditadura havia uma versão oficial: que o país ia bem, exceto pelos terroristas e subversivos que buscavam transformar-nos em satélite dos russos. Acontece que, em certos meios, a versão oficial nunca foi capaz de penetrar. Um destes meios era a intelectualidade. Hoje são aqueles mesmos ''terroristas e subversivos'' que se encontram no poder. Do que eles são capazes de fazer para estigmatizar e desmoralizar os seus adversários já sabemos, haja vista a última campanha para Presidente. Eles são todos cheios de razão. Sabem que, para triunfar sem objeções, precisam ocupar todos os espaços. E, em função disto, buscam humilhar e espantar seus inimigos inclusive na Internet. A razão desta longa introdução é que, mesmo antes do lançamento deste filme, já andava correndo uma versão sobre o seu caráter ''fascista''. Os mesmos intelectuais de plantão correm para os jornais e TV's para tentar impor esta visão simplista, e impedir as pessoas de terem a sua própria opinião sobre esta obra de arte. Filmes que mostram violência não são necessariamente filmes fascistas, que fique claro. Um dos filmes mais marcantes que já assisti sobre a Guerra do Vietnã, mostra um coronel enlouquecido e soldados americanos em helicópteros, prontos para abater os locais, ao som da Cavalgada das Valquírias. O filme é maravilhoso, e nem por isto passamos a apoiar os americanos em suas incursões intervencionistas em solo alheio. ''Tropa de Elite'' é um filme marcante, sobre uma realidade dolorosa e inacreditável que está ocorrendo no nosso ''país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza'' ( eu colocaria Jorge Benjor na trilha do filme...). Mostra quais são os mecanismos, quais os lados, quem contribui para que tudo isto se perpetue. Logo no início, o Capitão Nascimento (Wagner Moura, em excelente atuação)diz que na PM do Rio só há 3 opções: ''ou você se corrompe, ou você se omite, ou você vai para a luta''. O filme mostra o lado daqueles que optam pela luta. A luta é bela? Nenhuma é. Mas há aquelas batalhas que vale a pena combater. Para um suposto filme ''fascista'', o resultado acaba sendo o oposto ao de uma ode ao combate. Na hora em que os mesmos valorosos e combativos membros do BOPE, o lado que acabamos apoiando ao longo do filme, aqueles que não se deixam corromper ou intimidar por uma burocracia falida, se empenham em caçar um traficante que matou um de seus membros- e violam todos os manuais e todo o bom comportamento, torturando os seus inimigos e, infelizmente, igualando-se a eles, aquilo que todo o filme procurou contradizer- aquela sangueria toda passa dos limites. Vemos que os ''nossos'' defensores da lei, mostrados tão humanos neste filme, com seus sofrimentos e contradições, incorporam a lógica do combate, e aí não tem mais conversa, não tem mais teoria, não tem mais lógica: acabamos saindo da sala de cinema ainda mais deprimidos, indagando se haveria realmente alguma ''saída'' para esta merda toda... O filme nos dá esperanças, mostra que há uma batalha em curso entre Polícia- a instituição, e sua importância- e bandidagem, estes implacáveis, chegam a queimar um traficantezinho de classe média que desobedece suas ordens. Mas, no final, não há apologia de nada. Não tem Capitão Nascimento que racionalize nada. O traficante que matou o PM é morto, e a tela se escurece com o nome do filme. É morte por morte, tortura por tortura. O filme não propõe nada, ao contrário do que a visão pequeno-burguesa esquerdista de classe média teme. Não é fascista, pois filmes fascistas não tem nuances, não mostram lados opostos. É um filme cético. Dá esperanças de uma solução, que tanto esperamos, mas nos deixa em um vazio tão grande quanto aqueles que vislumbramos durante a sua exibição. Os vazios vistos do alto do morro. Não sabemos voar, não podemos escapar, não podemos matar todos os bandidos safados e seus inúmeros aliados, entre políticos, consumidores de drogas de classe média, comandantes corruptos da Polícia, dos quais os pequenos traficantes dos morros são meros instrumentos. Ficamos enojados com tanta carnifina e, aqui, acho que o filme cumpre um grande papel: que o nosso nojo, que o nosso cansaço seja propulsor de uma saída radical para esta coisa toda. Basta de discursos vazios e intelectualóides sobre a contribuição da pobreza para o tráfico: se a pobreza fôsse a causa, o tráfico teria se desenvolvido no sertão nordestino, e não no rico e desenvolvido Rio de Janeiro. Uma batalha está em curso. Infelizmente, nesta batalha só o Capitão Nascimento e seus comandados parecem saber qual é o seu papel . Nós, com nossos discursos pela ''paz'' e nossos manifestos pela ''justiça social'', só conseguimos fortalecer a mesma bandidagem que, no nosso interior, desejamos combater e eliminar...