sábado, 19 de julho de 2008

A escrita como alternativa á morte

No post anterior, falamos ''en passant'' sobre o suicídio do poeta russo Maiakovski. O suicídio, em nossa concepção, é um gesto incompleto. Morrer, de fato, seria nunca ter existido, ou conseguir apagar todos os sinais de nossa presença neste planeta- missão quase impossível...Ao escrever vamos aqui e ali - mesmo em meio à dor e à morte que fazem parte da dita ''realidade''- deixando rastros. Ou seja, é o oposto da morte completa. Da morte ''ideal'' que nenhum suicida poderá jamais alcançar. Ao escrever lidamos cotidianamente com morte e vida, brincamos com as duas, e ficamos deliberadamente com a segunda...A escrita é a prova material, concreta, da viabilidade da existência, uma prova tão fática quanto o que vamos descrevendo, os objetos de nossa paixão: a cidade grande, onde nos encontramos por ora, é lugar de dor, morte, medo, solidão. Assim parece, para muitos, assim estes a vivem. Porém, mesmo em doses homeopáticas, quase imperceptíveis, ela também é plena de vida. O sol nasce e se põe todos os dias, o verde- quando o encontramos- é um enorme prazer, habitamos um pequeno universo onde o raro e o belo nunca faltam ,e sempre dizem :''presente!''. Enquanto pudermos observar, com quaisquer de nossos sentidos, haverá vida e escrita, inseparáveis uma e outra. O blog, como as demais manifestações ''artísticas'', é perpetuação. A ''anti-morte''. O ''anti-suicídio''. Megalomania. Egocentrismo. Vida que segue...

A Blusa Amarela de Maiakovski

Está lá, na recém-publicada biografia do ''Poeta da Revolução''( Editora Record, Autor: Aleksandr Mikhailov): ''Eram duas- uma amarela e outra com listras pretas e amarelas. E dizem que Maiakovski ficava muito elegante quando as vestia. Mas dificilmente as blusas lhe garantiam elegância. A idéia surgiu por causa da pobreza(...)A elegância é um dom, assim como a voz, por exemplo, ou o ouvido musical(...)Sobre como veio ao mundo a blusa amarela, contou Aleksandra Alekseievna, pois foi a receptora da encomenda. - Pela manhã Volodia trouxe a baetilha. Fiquei muito admirada com a sua cor, perguntei para que era e já me havia negado a costurar. Mas Volodia insistia: 'Mãe, eu farei esta blusa de qualquer forma. Preciso dela para a apresentaçáo de hoje. Se não a fizer, vou pedir ao alfaiate. Mas não tenho dinheiro. Preciso procurar o dinheiro e o alfaiate. Não posso ir de camisa preta! Os porteiros não me deixarão entrar. Se eu estiver com essa blusa, ficarão perplexos e eu entrarei. Preciso me apresentar hoje'. Assim surgiu a primeira blusa. Custou 1 rublo e 20 copeques: 6 metros de baetilha amarela, 20 copeques o metro. A segunda blusa, também de baetilha, com largas listras amarelas e pretas. E a elegância? Maiakovski, mesmo de andrajos, teria aparência de aristocrata. Na sociedade ''cortesã'', a blusa amarela foi recebida como algo semelhante a um farrapo vermelho para o touro na arena. Era um desafio. De menino. Ah, aquela blusa amarela quase se transformou em emblema do futurismo, quantos absurdos foram escritos sobre isso nos jornais das capitais e das províncias daquela época! A ninguém ocorreu que na ''blusa amarela a alma estava escondida da vistoria''. Ninguém, quase ninguém notou o sinal do infortúnio interior trágico já nos primeiros poemas e principalmente na tragédia Vladimir Maiakovski, do poeta de 19 anos''(páginas 95/96). E não é que o propósito deste ''post''- para variar- é outro, e a blusa amarela de Maiakovski entra apenas como exemplo do que vamos discutir aqui? Não, não irei falar mais da vida do grande poeta russo. Fico apenas com o episódio da blusa amarela. Os interessados que busquem na obra já citada mais informações sobre a vida do imortal artista. Importa-nos a sensacional visão de alguém que queria ter uma ''marca pessoal'' em uma época e lugar onde nem se vislumbrava o que é ''marketing'' ou ''relações públicas''. E conseguiu, por todos os meios- inclusive pelo uso da blusa amarela- à sua disposição, conquistar o seu lugar naquela sociedade. A blusa amarela de Maiakovski surge-nos como o infinito potencial que cada pessoa tem neste planeta, com os meios que possuir, de deixar a sua MARCA. De reinventar-se. De criar. A blusa amarela, tal a força desta imagem ainda hoje, fica como o símbolo daquela trajetória, daquela vida. Quem foi Maiakovski, perguntariam? Foi o cara da blusa amarela, aquela que os agentes czaristas disseram que barrariam ''de qualquer modo'' em um determinado evento, e ele conseguiu entrar e brandiu a sua blusa amarela para uma platéia eufórica...Mesmo o suicídio do poeta está ligado a esta simples blusa amarela: como poderia um poeta inovador e original conformar-se com a cinzenta e padronizada sociedade stalinista pós-revolução de outubro? Com a sua ''arte oficial'', e o ridículo ''realismo socialista''? Não conformou-se. E a blusa amarela ainda hoje- não importa a cor, e sim o gesto- permanece como um símbolo de luta e um estímulo para que façamos a maior de todas as revoluções: a nossa revolução interior. Basta um pequeno gesto, como Maiakovski demonstrou...