terça-feira, 12 de agosto de 2008

Expressões...

Por costume, formalidade, ou mesmo medo de que alguém nos confronte com um direto ''discordo, isto é completamente absurdo'', costumamos utilizar, quando afirmamos algo em público, termos singelos e bem-educados como ''me parece'', ''acredito que'', ''salvo melhor juízo''. Infelizmente não somos tão precavidos no nosso próprio diálogo interior. Não afirmamos, a nós mesmos, que ''temos a impressão'' de que algo é de determinada forma. Não. Aquela pessoa é ''boba'', e ponto. Tal cidade é ''horrível'', e não admitimos ouvir opiniões contrárias. Meu time ''é o melhor'', e acabou...O maior RISCO reside justamente nestas nossas impressões de objetividade...Questionar-se, questionar as próprias idéias e certezas pré-estabelecidas, pareceria ''coisa de louco'', certo? Mas ''loucos'' não são justamente aqueles que se apegam a idéias e conceitos fixos? Justamente por isto, um outro termo apropriado para ''louco'' não seria ''maníaco''? Reflitamos...

Papel dos criadores...

O texto de Millôr Fernandes a que irei me referir foi publicado na ''Veja'' do último dia 6 de agosto, sob o título ''Elogio das Competências Restantes''. Nele, Millôr afirma textualmente que: ''O mundo não foi feito para competentes. Mesmo que apenas 'galera'. A humanidade- estatística minha tão válida quanto qualquer outra- é composta de 95% de debilóides da pátria. Sobram 5%- que podemos discutir. Você, claro, está entre esses. Que não estou aqui para perder leitores. Agora o lado otimista. Temos que admitir que uma pessoa em cada 1000( nosso grifo)nasce com qualidades de excelência e tem meios sociais de levar, desenvolver essas qualidades ao seu ótimum. Temos então no mundo 6000000 ( seis milhões)de pessoas extraordinárias por natureza, e preparadas por condições excepcionais. Fazendo coisas que nos embasbacam, nos deixam perplexos. Nas artes, nas ciências, no esporte, na mais variada das sacanagens do bem''. No fundo, sempre tive uma impressão parecida a esta do Millôr. Mas uma estatística qualquer, um número qualquer- por mais arbitrário que seja- ajuda a clarear os nossos pensamentos. Acredito que o número, aproximado, seja este mesmo, na base de 1 por mil. Pensemos nos números locais também, para aprofundar este raciocínio. Brasília tem cerca de 3 milhões de habitantes. Difícil será achar um destes gênios criadores entre os membros do atual Congresso Nacional...mas, na proporção de 1000 para cada um, dá cerca de 3000 mil criadores na Capital da República. Nos grandes centros, sentimos mais fortemente a presença de todos estes gênios. São Paulo, por exemplo, é pólo de atração para eles, exerce uma forte presença que os atrai inexoravelmente. O ''número mágico'' aqui seria de 15 mil pessoas, considerando o número de habitantes da Grande São Paulo. Não incluímos neste número bastante restrito os ''aspirantes'' a qualquer coisa. Limitemo-nos a listar alguns dos criadores de cada área: Alex Atala e Bel Coelho( Culinária), Nizan Guanaes e Washington Olivetto( Publicidade), Carlos Reichenbach( Cinema), Ignácio de Loyola Brandão, Lygia Fagundes Telles, Marcelo Rubens Paiva(Literatura), Jânio de Freitas, Marcelo Coelho, Marcelo Tas(Jornalismo), Luís Flávio Gomes(Direito). Cada uma destas áreas admitiria inúmeros outros nomes, em uma discussão infindável. Nosso único propósito é exemplificativo. Excluímos todos aqueles alunos do curso de cinema, que freqüentam as mostras da Cinemateca, com seus ares de ''futuros diretores geniais''. Excluímos estudantes de jornalismo e publicidade, que ainda não ''aconteceram''. Excluímos os alunos todos das Faculdades de Design, que escutamos habitualmente em discussões interessantes na hora do almoço. Excluímos inúmeros blogueiros que ainda não publicaram nada, ou músicos que não gravaram nenhum disco...Peguemos apenas os que estão ''maduros'', e produzindo. Este pequeno universo de criadores, em constante contato entre si, separa a humanidade de hoje do homem das cavernas. Não fossem eles- incluindo também um Ruy Castro, e um Nélson Motta(no Rio)- e seríamos ainda um povo de criadores de cabra ou plantadores de café( nada contra estas duas belas, e indispensáveis, atividades...). Queremos chegar á seguinte conclusão: na razoável proporção de 1 para 1000 estabelecida por Millôr no texto mencionado, os criadores buscam estar preferencialmente uns com os outros- por isto as grandes cidades como Rio e São Paulo atraem tanta gente em busca de um ''lugar ao sol'' em cada um destes ramos criativos- e, melhor, eles ''puxam'' e acabam influenciando grandemente todo o resto...Mesmo que dezenas de anos após, todos acabamos nos beneficiando deste contínuo fluxo criativo...Este ''grupo do bem'' tem um poder e influência muito maiores do que o seu número exíguo. Neles residem, de verdade, as maiores esperanças da humanidade em relação a dias melhores. 6 milhões de criadores nos separam da barbárie a nível mundial. Antes de pensarmos em fazer qualquer ''queixa'' diante dos nossos problemas, lembremo-nos daqueles que, mais do que problemas, estão buscando continuamente apresentar soluções para os mesmos...Criar não é uma atividade muito popular, admitimos, porque demolir coisas é muito mais fácil do que construir...

Lembranças...

O blog é assim, tal como a Internet: não tem seqüências, ''inícios'', meio ou ''fim''. Pode ser lido em qualquer ''ordem''. Do mesmo modo as coisas funcionam na cabeça de seu ''criador''. Posso falar aqui de coisas que aconteceram há 3 meses ou mais, mas que estão sendo ''pensadas'', relembradas neste instante. Uma delas eu considero o melhor filme brasileiro deste ano, que ficou meras DUAS semanas em cartaz aqui em São Paulo. Trata-se da obra ''Otávio e as Letras'', de Marcelo Masagão. Uma película decididamente ''esquisita'' e ''anti-comercial'': mostra uma capital paulista- certamente filmada nos finais de semana e em horários pouco usuais- soturna e VAZIA. E o que faz este ''Otávio'', o personagem principal? ''Otávio'' é visto comprando revistas e livros usados em sebos. Em casa, ele freneticamente recorta palavras e as cola em folhas de papel- que depois são enroladas e deixadas em lugares estratégicos pelas ruas. Estas são as ''armas'' e as ''bombas culturais''( este é o termo utilizado no filme) do nosso personagem ''Otávio''. De que ele vive não se fala. Sabemos que tem poucos recursos, já que ele pede usualmente ''descontos'' para os proprietários dos sebos e mora em um lugar muito simples, recursos estes todos utilizados nesta prosaica ''guerrilha pelo saber''. Outro personagem interessante é um motorista de táxi que dirige um velho fusquinha. No teto do carro foi colocado um mapa da Cidade de São Paulo. Enquanto dirige o seu estranho táxi, ele vai contando a história de cada uma daquelas ruas para os passageiros que, interessados, fazem algum comentário sobre o mapa no teto interior do veículo...''Otávio'' tem uma interessante vizinha que- suspeitamos, pelas viagens noturnas que ela faz de táxi- vive de ''programas''( sexuais, não televisivos...). Ela entrará na vida de ''Otávio'' em determinada hora do filme, e isto é o mais próximo que temos de uma estória ''convencional''...O que nos interessa nesta descrição toda de ''Otávio e as Letras'' é que esta obra é uma narrativa de alguém que faz o mesmo que todos os blogueiros, porém usando métodos tradicionais, ''do passado''( é triste pensar em um mundo onde livros e palavras escritas e publicadas em meios tradicionais como o papel referem-se ao ''passado'', mas esta é uma forte tendência da atualidade...). Lançar aqui e ali inofensivas ''bombas culturais'', com referência a fatos estranhos e alheios à realidade de seus receptores, é o esporte favorito de todos os que escrevem- seja de que forma for. A palavra, tanto no filme mencionado como na realidade crescentemente dominada por meios audiovisuais de grande apelo, como ato de subversão. De resistência. Assumidamente ''demodeé'', ultrapassados, lançamos aqui e ali nossas palavras ao vento, como náufragos que mandam uma mensagem dentro de uma garrafa para fora da ilha deserta onde fomos jogados...As palavras são as nossas pontes, nossas balsas, nossos foguetes e aviões, enviados mundo afora como sinais de vida, de existência. ''Penso, logo existo''. E escrevo, para lembrar-me desta existência cada vez mais fluida e ''virtual'' ,em meio a um mundo de imagens e lembranças. Nossas ''bombas'', felizmente, não tem ''inimigos'', nem ''alvos'' a destruir. Como dizer que a leitura está em ''declínio'' ,em um meio dominado pela palavra, lida e escrita? Enquanto houver alguém querendo escrever- seja de que modo for- e alguém querendo ler algo em forma de palavras, isto é sinal de que nem tudo está perdido. ''Otávio'', este ser estranho e indefinido cuja única atividade na vida é soltar aqui e ali as suas ''bombas culturais'' cuidadosamente confeccionadas durante suas leituras, é um interessante exemplo de mediador: ele envia as palavras escritas e reunidas ao ''acaso'' para seus potenciais leitores, que podem estar em qualquer lugar. Faz a junção entre o que foi escrito e criado e aqueles que possam estar, eventualmente, interessados nestas informações. ''Antiquado'', pelo meio, e ''moderno'', pelo papel que executa, ''Otávio'' é a cara desta nossa pós-modernidade extremamente veloz e ''técnica'', mas ainda indefinida. A vida não tem, para infelicidade de uns e alegria de outros entre os quais me incluo, ''Manuais de Instrução''. Nosso grande ''método'' ainda é este: ''erro'', correção, ''erro'', correção, ''acerto'', novo ''erro''...